segunda-feira, janeiro 02, 2006

General Norton de Matos (1867-1955)

General Norton de Matos (1867-1955)

José Mendes Ribeiro NORTON DE MATOS foi o homem que a oposição escolheu, em Julho de 1948, para protagonizar as primeiras supostas eleições livres para a Presidência da República,  no ano seguinte, e que pela unidade e movimentações de massas que suscitou, fez tremer Salazar constituindo a primeira grande ameaça ao regime do Estado Novo.

Nascera Norton de Matos em Ponte de Lima, Viana do Castelo, a 27 de Março de 1867. 
Velho republicano e maçon, ministro por duas vezes e Governador de Angola onde fundou a cidade de Nova Lisboa (actual Huambo), Norton de Matos fora um dos muitos professores destituídos pelo Governo de Salazar e impedido de continuar a dar aulas no Instituto Superior Técnico.
Como se sabe, após a vitória dos aliados, na Segunda Guerra Mundial, Salazar viu-se constrangido a ceder alguma abertura política para impressionar os países democráticos, convencido que estava da desagregação interna e convocou «eleições livres». Pelo contrário, esta abertura foi muito bem aproveitada pela oposição que sabiamente constituiu o MUD, Movimento de Unidade Democrática, nele agregando toda a família oposicionista. Norton de Matos junta-se a personalidades como Bento de Jesus Caraça, Mário de Azevedo Gomes, Manuel Mendes, Isabel Aboim Inglês, Mário Dionísio e muitos outros, tendo integrado a Junta Consultiva daquele movimento cívico.

O MUD teve o efeito de um autêntico vendaval no marasmo da vida social e política que se vivia no país desde a implantação do Estado Novo e manteve-se unida até se desagregar de novo após 49.

Em 1948 dá-se início ao processo de candidaturas para as eleições à presidência da república, que viriam a ocorrer em 1949, e o General Norton de Matos aceita ser o candidato da oposição.
No Manifesto que então dirigiu ao povo português, podia ler-se:
"Cansado de divergências internas, o povo português deseja que todos os habitantes de Portugal sejam acima de tudo portugueses; que a tolerância e o respeito pela pessoa humana os ligue a todos e permitam a cada um viver a sua vida sem o terror desmoralizante da incerteza."
Serão as primeiras "eleições" presidenciais "abertas" a outras candidaturas que não a do partido único instituído por Salazar, a União Nacional. Em confronto com Carmona, o candidato do regime que estava no lugar desde Novembro de 1926.




Estávamos em Janeiro de 1949, a campanha eleitoral iniciara-se no primeiro dia do ano. O povo tinha um candidato e em Coimbra, por exemplo, podia ler-se numa parede:

"Se votares por Carmona
Comes broa e azeitona.
Se votares por Matos
Comes sopa e dois pratos."

A campanha foi entusiástica e no dia 23 de Janeiro, perante uma multidão reunida no Porto, Norton de Matos caracterizava a Segunda República por que lutava:

"[...] não poderá existir nessa Segunda República nada de totalitário, de nazista e de fascista, de anti-democrático, de contrário aos direitos fundamentais do homem, da falta de respeito à pessoa humana, de exploração do homem pelo homem, de apagamento do indivíduo, quero dizer duma entidade real portadora de direitos e deveres, o cidadão, como unidade fundamental de todas as colectividades humanas e cujos atributos inamovíveis são, entre outros, os direitos à vida e à existência sã, à liberdade pessoal, ao trabalho (com o dever correlativo), à residência, à inviolabilidade do domínio, ao sigilo de correspondência, à propriedade pessoal, ao acesso a qualquer profissão, à instrução, à cultura, à personalidade, à assistência médica e à segurança social, à petição aos poderes públicos, à resistência perante a opressão e a tirania."

Mas Salazar recusava-se a abrir mão das "condições mínimas" exigidas para um acto eleitoral isento, em pé de igualdade para ambas as candidaturas. Norton de Matos acaba por desistir no dia 12 de Fevereiro, véspera das eleições, uma decisão saida do plenário das estruturas da candidatura de todo o país. Não sem alguma resistência do candidato que, apesar da idade e dos condicionalismos, ficara impressionado com o apoio popular, sobretudo no Porto, e considerava ter condições para ir às urnas.

Na verdade em Angola, onde a dificuldade das comunicações impediu que chegasse a notícia da sua desistência, votou-se. E Norton de Matos ganhou em Nova Lisboa. 
Carmona manteve-se no poder até à morte em 18 Abril 1951, com 81 anos.

Norton de Matos faleceu a 2 de Janeiro de 1955. Tinha 87 anos.

Faz hoje precisamente 51 anos.

JC



16 comentários:

Maria Carvalho disse...

E assim se muda o curso da História...com uma desistência. Só me resta dizer como o 'padrinho' : Força Júlia! Muitos beijos meus.

saisminerais disse...

Julia, não sendo eu um apreciador de politica, quero deixar-te aqui um beijinho e desejar-te um bom Ano Novo
recheado do que mais gostares, que o sorriso no canto dos labios nunca se apague.

Júlia Coutinho disse...

Quero aqui deixar expresso, publicamente, todo o meu Reconhecimento e Agradecimento ao amigo Fernando do Fraternidades.
O meu Padrinho desta coisa dos blogues.
Obrigada Fernando pela tua disponibilidade, generosidade e todo o trabalho que tiveste para deixar este blog com as características que pedi e que, sei, te ocupou muito tempo.
Obrigada também pela sensibilidade com que escolheste a música.
Paredes é sempre bem-vindo ! Sempre actual.
És um autêntico Ser Fraternal !

Nilson Barcelli disse...

Júlia,
Não conhecia o teu blogue e foi o Bizarro que me fez aqui vir.
Ainda não li nada teu.
A evocação do General Norton de Matos é importante, principalmente para os mais novos que nunca ouviram falar dele.
Boa sorte para o teu blogue.
Beijinhos.

Geosapiens disse...

Que o Oriente eterno tenha a sua alma...pois este é recordado em todas as nossas cadeias de união...por isso é imortal...a este grande homem uma tripla bateria e aclamação...pela Liberdade, Igualdade e Fraternidade...

Crepúsculo Maria da Graça Oliveira Gomes disse...

Olá meu amigo, não sendo eu uma pessoa de esquerda, há uma coisa que muito admiro em algumas pessoas cesse quadrante politico,"a inteligência e a perseverança"gosto muito de ti dos teus posts e admiro a tua escrita, és realmente uma pessoa excelente, álias a minha maior e única amiga é comunista, e eu admiro as convicções dela. Um beijinho para ti e um bom 2006

Ricardo disse...

Viva,

Descobri este cantinho e achei-o muito interessante. Nem todas as causas são partilhadas por mim mas isso também não é importante...

Norton de Matos foi, acima de tudo, o homem que criou uma onda de esperança no país. E na altura isso não era uma tarefa nada fácil!

Abraço,

Anónimo disse...

Graças à tecnologia, vim aqui ter e descobri que o meu blog Século Prodigioso está aqui linkado. Obrigado. Vou retribuir. E obrigado ainda pelo aroma a liberdade que este blog exala. Como posso não voltar? Um abraço e até à próxima.

Anónimo disse...

Finalmente! é uma alegria ter-te aqui na blogosfera, Já fiz um link no meu blog para aqui.

Beijinhos e um bom ano (que esperemos seja Alegre) para ti.

Anónimo disse...

Gostei de ler.Tb gosto muito de ouvir as guitarras deste mestre.annie hall do outsider

augustoM disse...

Julinha, não deves saber mas o Norton de Matos ainda é meu parente afastado, das bandas da minha avó materna. Falavam muito dele em casa dos meus avós, que ao que parece, se tinham dado na juventude, mas eu nunca estive ao pé dele, calculo que nessa altura já fosse diícil para ele.
Um beijo. Augusto

joaninha disse...

Fiquei satisfeita por aqui ter passado. Quando nos servem uma talhada de História, ficamos sempre plenamente conscientes de que ainda há quem se dedica a estudar, para transmitir. Gostei e voltarei. Um beijo

contradicoes disse...

Foi pena ele não ter conseguido os seus intentos. Mas Angola poderia ter-se tornado independente graças a si e outro rumo teria levado. Foi uma oportuna
invocação. Com um abraço do Raul

Júlia Coutinho disse...

Não são necessárias desculpas, meu amigo. Eu sei que foi engano.
Nunca o farias deliberadamente.
Um abraço e... continuação de melhoras.

Anónimo disse...

MORREU O NOSSO QUERIDO FERNANDO BIZARRO, ESTA MANHÃ, EM CARNAXIDE!
CHOREMOS!

Anónimo disse...

Fico feliz por pessoas como tu evocarem figuras importantes na história de Portugal. Mais orgulhoso fico por falarem de um ilustre limiano que se opôs ao acérrimo regime da altura. Nasci precisamente na rua que hoje se chama General Norton de Matos, em Ponte de Lima, a sua terra (embora hoje por razões profissionais trabalhe no Porto). Pena é que muita gente já tenha ouvido falar no General mas pouco ou nada saibam o que foi e o que fez.

Continuem com este blog, porque aqui aprende-se...

Ricardo Rodrigues Ponte de Lima/Porto)