segunda-feira, outubro 23, 2006

Vasco Gonçalves e as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA





Passados seis meses do 25 de Abril de 1974, na vigência do III Governo Provisório chefiado por Vasco Gonçalves, é apresentado no Palácio Foz em Lisboa, o Programa de Dinamização Cultural que iria ser coordenado pela Comissão Dinamizadora Central (CODICE), estrutura da 5ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas, em colaboração com a Direcção-Geral da Cultura e Espectáculos.

Para o então Primeiro-Ministro, um dos principais objectivos desta iniciativa «era levar os militares, o MFA, às populações e apoiá-las no desenvolvimento, na tomadas de consciência dos problemas que elas tinham. [...] Pretendíamos, sobretudo, transformar as ideias de fundo dessas populações. Não pretendíamos transformar essas populações em socialistas ou em comunistas. Queríamos transformá-las em gente democrática, gente aberta a analisar as situações e arrancá-las de toda aquela carga de fascismo que durante 48 anos tinha pesado sobre elas».

A par destes objectivos, Vasco Gonçalves defendia, também, que as Campanhas tiveram um importante papel na democratização e dinamização das Forças Armadas, sublinhando o facto de os militares que as protagonizaram regressarem «mais politizados» devido ao contacto com as diferentes realidades que procuravam transformar. Nesse sentido, e numa perspectiva cara à Primeira República, Vasco Gonçalves evocou, numa sessão de esclarecimento realizada no Sabugo (Sintra) em Fevereiro de 1975, a figura do «militar-educador». Este deveria aprender com aqueles que procurava educar, com aqueles que procurava ensinar, com aqueles que procurava ajudar. Na sua óptica, a expressão que melhor caracterizava a Dinamização Cultural era o «trabalho quotidiano» porque as Campanhas constituíam uma aprendizagem mútua, um processo de conhecimento do país que a revolução surpreendeu.

Para Vasco Gonçalves o grande impulsionador das Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA fora Ramiro Correia, o «comandante-médico que até fazia versos [...] um idealista no bom sentido do termo». Na génese desta iniciativa, salientava a importância da Acção Psico-social utilizada na guerra colonial, assegurando que «muitos militares vieram influenciados com isso e consideravam-se em condições de desenvolver uma acção desse nível dentro do nosso próprio país, com os seus compatriotas».

[...] a relação entre os militares e a população adquiriu novos contornos com a transição democrática e, para Vasco Gonçalves, as Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA seriam uma ferramenta axial no fortalecimento desta relação, eternizada na expressão aliança Povo-MFA a qual condensava os ideais da facção progressista do MFA «que eram sobretudo os da libertação da nossa pátria, do nosso povo, da realização das aspirações básicas». Utilizava o termo «missão» para aludir às Campanhas, afirmando serem estas «um trabalho gigantesco para as nossas possibilidades», referindo-se à insuficiência de meios técnicos e humanos que dispuseram para a concretização desta proposta da agenda revolucionária. «Foi uma das nossas debilidades fundamentais» - afirmava.

Num dos muitos cartazes que desenhou [...] João Abel Manta pareceu representar a «esperança e a confiança» que Vasco Gonçalves depositava nesta iniciativa ao atribuir-lhe uma centralidade no célebre cartaz MFA-Vasco-Povo. Povo-Vasco-MFA (1975), onde surge ladeado por duas figuras híbridas meio soldado, meio povo, reforçadas pela frase «Força, Força Companheiro Vasco / Nós Seremos a Muralha de Aço». E foi da seguinte forma que Vasco Gonçalves se referiu a este cartaz: «O cartaz é muito terno, eu era o companheiro Vasco, mas para certo sector da população, não para o país».






Fonte: Texto de Sónia Vespeira de Almeida, com base em entrevista a Vasco Gonçalves (2002) no âmbito da sua tese de doutoramento em Antropologia; inserido no folheto comemorativo da homenagem a Vasco Gonçalves, realizada na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa, em 21 de Outubro de 2006.

16 comentários:

  1. ....para não esquecer
    NUNCA

    NUNCA

    NUNCA!!!!!!!!!!!!!!




    beijos.....:)))))

    ternura.

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  2. Interessante este artigo, já pouca gente se lembrará desse passado quase recente, mas distante dos objectivos, ou preferem não se lembrar porque se torna mais cómodo fazer ouvidos moucos e viver apenas um dia de cada vez... Não sei já o que será melhor, se viver um dia de cada vez, ou todos de uma vez e terminar esta árdua tarefa da sobrevivência pelos quais pautamos a nossa insistente ignorância.

    Quiçá, nos queiramos surpreender-nos e isso é coisa que não faltará certamente, mas sempre pela negativa!

    Um beijo minha querida e incasável Júlia.

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  3. Lá cheio de boas intenções estava ele, mas não conseguiu e basta lembrar o tempestuoso ano de 1975 e o que aconteceu.
    Eu tinha 11 anos e lembro-me bem!
    beijos

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  4. Sempre actuais os teus posts, Júlia! Beijos para ti.

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  5. ................. estive lá, nessa apresentação. (à época trabalhava no Turisomo - Palácio Foz)




    deixo um abraço.

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  6. Como sabes, Júlia, eu não pude estar presente.
    Mas esta homenagem e este HOMEM é para NUNCA esquecer.
    Por isso vou copiar a tua "reportagem" e inseri-la nos "Chuviscos"... a ver se a coisa anda, carago!!!
    Não quero falar do Companheiro Vasco... quem viveu e acompanhou aquela época, quem o conheceu e teve o privilégio de estar ao seu lado, sabe bem a falta que ele faz a este País.
    Obrigado por estares sempre presente.
    José Gomes

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  7. Júlia,
    Visita, por favor,
    http://chuviscos.blogspot.com/
    e desculpa...
    José Gomes

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  8. comovente homenagem! e revigorante para muito de nós, quero acreditar. grato...

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  9. Muda a hora,… muda o tempo
    Mas não posso deixar de te
    Desejar um óptimo fim de semana!

    Um beijinho grande,

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  10. Ei estou aqui pra conhecer seu blog
    Ofereço o o award Blog Perola da net com muito carinho. Convido a fazer a inscrição pra ser destaque ok?
    Aproveita e faça uma viagem de trem pelos cantos de MInas...
    ( ligue o som ok?)
    Bjs

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  11. Que pena me fica por não ter podido lá estar. Que saudades deixa um Homem Puro.

    Beijos.

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  12. Sem dúvida um homem para a história de um período da democracia portuguesa.talvez, só talvez, o último romântico revoluciuonário do sec. XX
    Bj amiga

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  13. Desenquadrado com o post, mas repleto de espírito democrático e, sobretudo, atulhado de gratidão, aqui fica um miminho para a Júlia.

    Obrigado pela visita.

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  14. Vivi essa época com todo o brilho no olhar e a alma cheia do sentimento que se estaria a cumprir o sonho da Humanidade e que se estava a construir o mundo novo.
    Passaram-se os anos. Vieram as rugas e o sonho de verde ficou cinza e a Humanidade revelou a sua verdade, Não presta....

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