sábado, agosto 09, 2008

Parabéns, Maria Keil !


Acreditam que a Maria Keil faz 94 anos? ! Pois é. Vendo-a, ouvindo-a, ninguém acredita. Mas a Maria (como gosta de ser tratada) nasceu a 9 de Agosto de 1914 em Silves cidade que este ano a homenageou com uma sala na nova Biblioteca que perpetuará o seu nome. Uma mulher simples e franzina que se mantém atenta e activa e que até há pouco se deslocava sozinha pela cidade tendo, aos 84 anos, só e de mochila às costas, visitado e calcorreado a Expo98.

Veio aos 15 anos para a Escola de Belas-Artes de Lisboa e em 1933 casou com o jovem arquitecto Francisco Keil do Amaral, de quem teve um filho, o Pitum. Oposicionista desde cedo militou no MUD e nas organizações de Mulheres. Participou nas Exposições Gerais de Artes Plásticas e teve um quadro apreendido pela PIDE, na II EGAP, em 1947. Foi presa em Dezembro de 1953 no aeroporto de Lisboa, com outras pessoas que esperavam Maria Lamas vinda do Congresso dos Povos pela Paz, em Viena, tendo permanecido dois meses em Caxias.

No final dos anos 50 reinventou e relançou a azulejaria portuguesa: decorou as primeiras 19 estações do Metropolitano, gratuitamente. E apenas porque era proibido o figurativo recorreu aos padrões geométricos quebrando a simetria através da cor. Não a incomoda ser conhecida como "a mulher dos azulejos" mas ficou deveras magoada com a forma como as obras de renovação do Metro, há dez anos, lhe destruiram o seu trabalho. Sem contemplações. E porque foi um trabalho não pago viu-se impossibilitada de accionar um protesto legal.

«Não havia meios [financeiros]. Não me pagaram nada. Absolutamente nada. Ofereci as 19 estações que fiz. Tudo aquilo foi um trabalho que fiz no atelier do meu marido, para alegrar as estações que ele estava a desenhar e eram muito pobrezinhas. Ele queria qualquer coisa alegre lá dentro, para não ficar cimento armado e tudo cinzento. Agora não posso refilar por me andarem a picar as paredes porque, de facto, eu dei tudo.» confessa em 1999 a António Melo.

«Houve um arquitecto que veio aqui [a casa] falar sobre o que fizeram na estação dos Restauradores e me disse: "Pois é... Eu percebo que isto seja um grande desgosto para a senhora". Disse-lhe: "Não é um desgosto para mim. Para vocês é que é uma vergonha. Por isso é que veio falar comigo. Vergonha de picar uma parede sem dizer nada. Vergonha e ignorância". (...) «Infelizmente [a destruição] nem foi contra mim. Foi para ser diferente. Para fazer novo, moderno. Isto é que é grave, eles destroem o azulejo porque não lhe dão valor. É um padrão que se repete, logo é artesanato.» (...) «Mas a crítica que faço muito a sério é que o azulejo é uma coisa importante que os modernistas não apreenderam. Mesmo hoje muitos não conseguiram aderir à simplicidade do azulejo, porque aquilo é difícil demais para eles. Transformam-no em papel de embrulho»

Questionada sobre o tempo da resistência ou da democracia, responde:

«A guerra é um mal que é preciso evitar a todo o custo. (...) Há um quadro do Picasso que tem por título "A Guerra". Tem uma força de denúncia, que uma pessoa ao vê-lo sente que guerra, não! Mas "A Paz", que é um outro quadro dele, com meninas a fazer rodinhas e um sol a nascer, também não é vida. Sinto que é preciso procurar aqui uma alternativa a este manso, mole. Na vida é preciso alguma vibração. Ainda temos que encontrar essa vida.»


É um privilégio termos a Maria Keil connosco. Conheçam-na melhor aqui em 2000 e aqui em 2004










5 comentários:

pedro oliveira disse...

Júlia, apenas, para a felicitar.
Porque será que os cães não ladram mas a caravana passa...
Porque será que as pessoas gostam de espreitar escondidas nas dunas e depois vão-se embora como se nunca cá tivessem estado?
Provavelmente o contador «disparou» com o «link» do Samuel,
Provavelmente as pessoas não têm coragem suficiente para dizer:
Obrigado Júlia.
Eu não acho que seja necessário coragem, agradeço ao Samuel mas agradeço-lhe, especialmente...
Obrigado, Júlia por escrever o que escreve... por escrever como escreve.

Anónimo disse...

Obrigado, Júlia, por continuares atenta. Como muito bem dizes, é um privilégio termos a Maria Keil connosco. Pena é que tanta gente não ligue, insista em não ver o modo como pessoas como ela são tratadas pelos poderes públicos. É, de facto, uma indignidade a maneira como uns administradores quaisquer tratam uma obra como a de Maria Keil. Miséria de país este onde tudo se vende e nada vale nada!
Um beijo para ti, outro para a Maria. Até já.

João Videira Santos disse...

Carissima Julia:
Como sempre atenta e trazendo à lembrança quem não deve ser esquecido. O que se passou no Metropolitano de Lisboa com a obra de Maria Keil não tem classificação de tão miserável ser. Abraço.

Condessa X disse...

É de facto vergonhoso pisarem o trabalho desta artista que ainda por cima não lucrou NADA com o seu trabalho. E mesmo que tivesse lucrado, continuaria a ser inadmissível que tivessem destruído desta forma.

Anónimo disse...

Sou um admirador confesso do trabalho da Maria Keil, e que de algum modo, ainda que modestamente, procuro homenagear no blog
www.pinceldemel.blogspot.com
mas também no
www.santa-nostalgia.blogspot.com onde falo dos meus livros de leitura que a Maria ilustrou.