Devo a António Dias Lourenço o ter-me revelado, nos anos noventa, a forma trágica como ocorreu a morte de João da Silva, esse «carrasco» dos presos políticos no Tarrafal e em Caxias, num desastre de viação na Av da Liberdade. A data não recordava. Falou-me, sim, do regozijo que o acontecimento provocou nas hostes antifascistas e sobretudo nos ex-tarrafalistas - que sob o seu jugo sofreram horrores -, que durante muito e muito tempo afluíram ao local numa espécie de «romaria» como que a certificarem-se de que a besta morrera mesmo.
Durante anos procurei noticias que corroborassem as informações de ADL até que encontrei, por fim, quando já desanimava. O desastre deu-se a 15 de Janeiro de 1960, conforme as noticias abaixo de O Século e do Diário de Lisboa de 16, e por elas se pode aferir da brutalidade do acidente provocado pela leviandade do capitão João da Silva ao atravessar fora da placa para peões e que arrastou consigo outras vítimas, uma delas mortal.
Jornal O SÉCULO, 16 Janeiro 1960 |
Jornal Diário de Lisboa, 16 Janeiro 1960 |
João da Silva, capitão do exército ao serviço da polícia política e que integrara uma comissão de militares que fora à Alemanha estudar os campos nazis, foi o homem nomeado pela PVDE para terceiro director do Campo do Tarrafal, cargo que ocupou entre Outubro de 1938 e Junho de 1940.
Foi durante o seu consulado, a par do do director inicial capitão Manuel Martins dos Reis - o campo foi inaugurado em Outubro de 1936 -, que foram praticadas as maiores barbaridades contra os presos ali concentrados, devendo-se-lhe a criação da chamada Frigideira e a constituição da Brigada Brava dois exemplos de práticas punitivas e destrutivas do ser humano, entre muitas outras.
Não vou aqui tratar em profundidade o Campo do Tarrafal a que os presos chamavam «campo da morte lenta», e os métodos de tortura utilizados, até porque existem já muitos estudos facilmente acessíveis a quem queira informar-se. Este artigo pretende apenas dar a conhecer o final de vida triste do tristemente «célebre» João da Silva, e revelar aspectos até agora desconhecidos do mesmo.
Para além do Tarrafal João da Silva esteve ainda à frente da prisão política de Caxias, nos anos cinquenta, até atingir o limite de idade.
Poder-se-á, eventualmente, questionar o regozijo sentido pela sua morte. Não deveria ser assim, diz-nos o bom-senso. Mas quais as vítimas que resistem a não festejar o aniquilamento dos seus algozes ? E quem se atreve a condená-las ? Eu não.
Sérgio
Vilarigues, um dos presos que inaugurou o campo do Tarrafal e sentiu na pele o seu jugo, descreveu João da Silva como «um homem sem escrúpulos e sem quaisquer sentimentos
humanos» - «um autêntico carrasco para os presos». (Avante, 5 Março 97)
Morreu sem honra e sem glória.
Morreu sem honra e sem glória.