Quem ontem assistiu na RTP1 ao espectáculo Vozes de Abril, essa homenagem que a A25A decidiu prestar (dia 4) a todos os que com a sua Arte e o seu Canto ajudaram a surgir e a consolidar Abril, percebeu que o mesmo evocava um outro espectáculo ocorrido na mesma sala (Coliseu dos Recreios), há 34 anos, pouco antes do dia "inicial inteiro e limpo" de onde "emergimos da noite e do silêncio" como escreveu Sofia.
Eu posso dizer que sou uma privilegiada porque participei nesses dois momentos histórico-culturais: 29 de Março de 1974 e 4 de Abril de 2008.
Jovem que era há 34 anos, aluguei com um grupo de amigos um camarote, do lado direito do palco, de onde assistimos a tudo que ocorreu naquela noite memorável e pudemos vaiar os pides quando um deles saltou para o palco (nem sei porquê) e gritar "tirem esse careca daí!"...
Pela primeira vez os artistas oposicionistas conseguiram reunir-se, o espectáculo até foi autorizado (organizado pela Casa da Imprensa) mas as cantigas foram censuradas de tal forma que os cantores só dispunham de algumas, inócuas para os censores do regime... mas estes também se enganavam (ou eram enganados) porque ao Zeca Afonso, a quem só deixaram cantar duas: Milho Verde e Grândola, repetiu esta tantas vezes, em coro com a assistência, que nasceu ali, tenho a certeza, naquele momento, a SENHA do 25 de Abril!
Lembro-me que o Tordo cantou a sua "Tourada" entrando e saindo pela porta dos fundos, como ele proprio recordou. Que a Maria do Amparo (agora a dar-nos um momento emocionante ao cantar com a filha Lucia Moniz) e o Carlos Alberto Moniz (agora como maestro) entoaram coisas do cancioneiro açoreano.
Lembro o Manuel Freite e o Zé Jorge Letria a virem ao microfone dizer que "tinham perdido as letras das canções" por isso não poderiam cantar o que a malta lhes pedia incessantemente .... e que, perante isto, a sala inteira pateou ensurdecedoramente e gritou "Fascistas! Fascistas!" durante minutos largos. E creio que foi aí que um pide, careca, saltou para o palco, motivando ainda mais a nossa indignação.
À saída foi um silêncio absoluto, pesado, impressionante, só se ouvindo os nossos passos na calçada, enquanto a Pide e a PSP nos observavam com as carrinhas a postos. Na sequência foram movidos autos e importunados artistas. Mas o dia da Liberdade estava muito perto, a menos de um mês.
Foi portanto com uma dupla emoção que pude assistir a este espectáculo no dia 4 de Abril, onde todos os intervenientes de há 34 anos estiveram presentes, agora sim, dando-nos o seu verdadeiro Canto Livre. Claro que faltaram alguns como o Adriano, o Ary ou o Zeca. Mas esses estarão sempre ao nosso lado.
Aquele, de 29 de Março, foi o espectáculo premonitório do radioso 25 de Abril ! Este, no dia 4, o da certeza de que os valores que Abril nos trouxe continuam vivos e de que a Memória não se apagará.
2 comentários:
canções e vozes que perpetuam a lembrança, dão vida ao sentimento e força à liberdade.
só agora me ou conta de há quanto tempo não passo por aqui....
também eu estive presente nos dois...
... e no de Dezembro de 1973, o tal com o Patxi Andión...
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