quarta-feira, fevereiro 11, 2009

António Lopes de Almeida (1913-1949)


  (22.2.1913 - 21.1.1949)
 
A sua morte ocorreu a 21 de Janeiro de 1949. Em plena campanha eleitoral para as presidenciais com o candidato da oposição Norton de Matos. Por isso passou quase despercebida. A censura impediu que à sua morte se fizesse qualquer referência nas sessões públicas oposicionistas.
António Lopes de Almeida tinha 36 anos, era casado e tinha uma filha de 6 anos. Operário vidreiro, era também músico, e elemento muito considerado na região. Militante do Partido Comunista, era um activo dirigente local e regional. Denunciado, foi preso na Marinha Grande a 16 de Janeiro e entregue à PIDE, em Lisboa, no dia seguinte. Na António Maria Cardoso foi torturado durante dois dias. O então muito jovem Carlos Aboim Inglez cruza-se com ele, por breves momentos, numa sala, antes de serem conduzidos ao Aljube. Fica impressionado. Na sua frente está um homem com a cara «num bolo» de sangue e equimoses, que lhe murmura: «estou há 40 horas a levar pancada». A sua memória jamais apagará o horror daquela imagem, como refere a Miguel Medina (Esboços I). 
No dia 21 é, segundo a polícia política, «encontrado morto», por enforcamento, na cadeia do Aljube. O nome do seu verdugo: Fernando Gouveia.PI
Desde logo todo o processo é altamente suspeito. Levam-no para a Morgue e tentam apressar o funeral. Porém, o jornal República do dia 22 torna o caso público ao anunciar ter dado «entrada na Morgue o cadáver de António Lopes de Almeida». Sabe-se hoje, através da viúva do médico Custódio Maldonado Freitas, na altura em serviço em São José, que foi alertado por um funcionário seu conhecido do Instituto de Medicina Legal. A PIDE não detectara, mas um minúsculo bilhete, escrito a sangue, foi encontrado no bolso do pijama, dizendo: «sou António Lopes de Almeida, da Marinha Grande, avisem a minha mulher». A partir daí não mais foi possível silenciar o caso.
A família desloca-se a Lisboa, faz vários requerimentos, mas nunca lhes é permitido verem o cadáver. Na Marinha Grande os operários paralizam e mobilizam-se para lhe fazerem o funeral. No diz 24, pode ler-se: «Como o Republica noticiou ante-ontem, morreu em Lisboa o operário da Marinha Grande, Antonio Lopes de Almeida. Os seus colegas marinhenses resolveram prestar-lhe, neste momento, o seu último tributo de homenagem, fazendo, a seu cargo, o funeral para a Marinha Grande. Em sinal de sentimento, suspenderam o trabalho os operários vidreiros da Fábrica Marquês de Pombal, sendo grande a consternação em toda a população.» (Republica, 24.1.49) Mas a PIDE consegue os seus intentos e realiza o funeral, para o cemitério de Benfica, em Lisboa, a 29 de Janeiro.
Nunca se saberá se António Lopes de Almeida morreu às mãos da PIDE ou se suicidou, por enforcamento, como alegaram. A PIDE afirma que se suicidou, após ter denunciado a organização do PCP de que era dirigente.*  No entanto, do seu processo não consta qualquer auto de perguntas que lhe tenha sido levantado, como a própria polícia política (Fernando Gouveia) refere à Policia Judiciária, dada a necessidade de que esta «comprove o suicídio». Pedem que seja apensado o relatório da autópsia e afirmam que não houve quaisquer testemunhas do ocorrido. O processo ficaria encerrado com o aval de José Catela, em 19 de Maio de 49.
É possível que não tenha aguentado as torturas. É possível que, perante isso, tenha optado pelo suicídio. Nem todos são heróis. E nem por isso deixam de ser homens de carácter. Mas também é muito provável que tenham sido outros os denunciantes e, perante o sucedido, tenha sido fácil atribuir culpas a quem já não podia defender-se.**
Maria da Piedade Almeida, a viúva, nunca deixou de fazer esforços para levar o corpo do marido para a Marinha Grande. Numa petição dirigida ao Ministro do Interior, em Abril, dizia:
«É já pela segunda vez que me dirijo por escrito a V.Exa., fazendo esta mesma petição, não só em meu nome, mas também da mãe e irmã, que desta vez não puderam vir, por falta de recursos.
Foi-nos dito então pelo Ministério de V.Exa., e após a primeira petição em papel selado, que já tinha sido deferido e enviado para o Governo Civil, juntando-se ao requerimento que lá se encontrava da agência funerária que tratou do funeral.
Informaram-me nessa altura, no Governo Civil, e a PIDE já nos tinha dito antes também, que seguiria sim, mas só daí por trinta dias.
São vencidos mais de sessenta dias e ainda o corpo nesta cidade se encontra, e como no dia 5 do corrente, nos disseram no Governo Civil, da parte do próprio Governador, que este requerimento estava a despacho no Ministério de V.Exa., fico confusa sem saber que pensar, voltando por isso a rogar-lhe encarecidamente pronta decisão para este caso.
É tão pouco o que peço a V.Exa, e para mim, apesar de triste e desoladora consolação, era grande alívio e um bem íntimo, chorar junto da sua sepultura, sempre que me sentisses sem forças para criar uma filhinha que me deixou com 6 anos.»
Despacho do Ministro A Cancella de Abreu em 7 de Abril de 49: «Não considero ainda oportuna a solicitada transferência, o que deve se comunicar à interessada.»
Desconheço se o corpo de António Lopes de Almeida alguma vez chegou a regressar à sua terra. Talvez depois de Abril, quando a Câmara Municipal atribuiu o seu nome a uma rua da Marinha Grande. ***
Esta morte violenta e injusta raramente é referida e o seu nome não faz parte da habitual galeria dos «heróis da resistência» apresentada pelo seu partido, o PCP. Por isso lhe presto as minhas homenagens, no momento em que passam 60 anos sobre o ocorrido.
Carlos Aboim Inglez, porém, nunca esqueceu o homem com quem se cruzou na sua primeira prisão, em 18 de Janeiro de 1949. Aqui fica o poema que lhe dedicou, inserido no livro póstumo, Soma Pouca.
 
A António Lopes de Almeida

Caíste por terra amigo na terra negra e dura
das pragas e das lágrimas e do suor não cumprido.
Caíste por terra amigo. E a terra toda abriu-se
como não se abrira ainda aos rogos da tua esperança.

Caíste por terra amigo caíste por terra amigo
E a terra será toda de luto até ao dia claro e largo
Porque lutaste porque viveste porque morreste
Até ao dia
Em que floriremos teu sangue na terra onde caíste. 

Julia Coutinho


NOTAS:

Já depois de ter escrito este artigo encontrei nos arquivos da PIDE/DGS o documento interno do PCP- «ALGUMAS NOTAS INFORMATIVAS A RESPEITO DA PROVOCAÇÃO INIMIGA» - sem data mas que tudo leva a crer  ser de 1952/53 e que, na sequência da discussão sobre a traição de um outro militante, acaba por lançar luz sobre a nebulosa que sempre pairou acerca da morte de António Lopes de Almeida (ALA) esclarecendo quem foi o denunciante não só de ALA como de toda a organização do concelho da  Marinha Grande.



transcrição: «Utilizando mais ou menos o mesmo sistema fez também referências elogiosas, aos Pinantes, Adrianos, Magalhães, um irmão seu, etc, pessoas estas que trairam de maneira miserável a classe operária, o nosso Partido e o povo em geral.
Contra toda a orientação do Partido e não dando conhecimento disso, estabeleceu contacto com o Pinante quando este saíu da prisão e era abertamente sabido da sua traição que entre o mais originou o assassinato de Antonio Lopes de Almeida da Marinha Grande. Não contente com isto ainda foi apresentar por último um bom camarada a Pinante com a finalidade duma ligação regular.»
 


* - à PIDE interessava salvaguardar o seu informador e o suposto suicídio de ALA foi a forma encontrada para fazer recair sobre este o odioso da denúncia e entrega de toda a organização.

** - segundo este documento do PCP, o denunciante foi o Pinante, alcunha de um camarada com quem o ALA tocava numa troupe - Os Pinantes - e que foi o primeiro da organização local do PCP a ser preso e também o primeiro a ser solto, e de quem a família e amigos próximos sempre desconfiaram mas nunca tiveram provas.  A verdade é que, pouco depois, ele e a familia deixaram a Marinha Grande.  A PIDE arregimentara mais um informador. O seu nome: Joaquim da Silva Couceiro (1908-1989).

*** - o corpo de ALA voltou à Marinha Grande depois do 25 de Abril, por iniciativa e a expensas da família. A trasladação fez-se do Gavetão 59 do cemitério de Benfica que a PIDE comprara por 50 anos, para o cemitério da Marinha Grande, no dia 13 Março 1979.

Julia Coutinho



Bibliografia:
- Arq. PIDE/DGS - ANTT - Proc- SC-PC 428/49 - 5007
- Arquivo MAI-GM-GBT-15/1949 -
- Presos Políticos no Regime Fascista V - 1949-1951, Presidência do Conselho de Ministros, Maio 1987


5 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Júlia Coutinho disse...

Gente anónima não merece qualquer resposta.
Muito menos um comunista anónimo.

EDUARDO POISL disse...

Como sempre tudo muito bonito por aqui.
Só passei para dar um abraço


No entardecer,
o sol dança com a chuva
e um arco-íris
no horizonte tinge...
Espera a lua surgir
e entre as nuvens
uma estrela luzir.
Depois, a terra sorri
quando na noite escura
o céu clareia...
Um véu de estrelas
abraça a lua cheia...
O poeta fecha os olhos
e sente o poema
correr em suas veias.
A lua deita no mar
e o sol, novamente
beija a areia.

(Sirlei L. Passolongo)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Elisabete Botelho disse...

Apesar da triste história, gostei muito. Muito obrigada Júlia por esta homenagem a um grande Homem da Marinha Grande!