terça-feira, julho 22, 2008

Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses - GRAVURA

Era assim que se chamava e foi criada no dia 20 de Julho de 1956. Não só uma cooperativa mas também uma sociedade para driblar os censores. Terminavam as Gerais de Artes Plásticas (1946-1956) e tinha início uma experiência pioneira que veio inovar e revolucionar o fazer e o divulgar da arte e dos artistas portugueses.

Com a GRAVURA a arte alcançou a necessária democratização e os objectivos que já vinham das EGAP´s: chegar ao maior numero de pessoas possível. Para isso se uniram esforços e se fizeram experiências, aprendeu-se e ensinou-se a Gravura, modalidade que nem sequer a Escola de Belas Artes contemplava.

Levou-se a arte ao mais recôndito do país através de exposições itinerantes onde democraticamente todos os artistas colaboravam. Lembro do Sá Nogueira me dizer que foi das experiências mais gratificantes que teve, poder levar uma exposição a Castelo Branco, por exemplo, e dialogar com os estudantes locais sobre problemas artísticos. Muitos jovens foram por elas influenciados.
Por outro lado, entraram para sócios artistas há muito afastados das EGAPs e outros que nunca lá tinham exposto, como o Almada, por exemplo.

Aqui fica uma fotografia de Alice Jorge a iniciar o "Mestre" com o apoio de Júlio Pomar.





Foram muitos os sócios fundadores e a sua primeira direcção foi a seguinte:
Dr. José Julio Andrade dos Santos - Presidente; Arqt Francisco da Conceição Silva - Vice-Presidente; Dr. Armando Augusto Vieira dos Santos - 1º Secretário; Maria Alice da Silva Jorge - 2º Secretário; Joaquim José Barata - Tesoureiro; Cipriano Dourado dos Santos - 1º Suplente; Júlio Artur da Silva Pomar - 2º Suplente

A primeira sede da cooperativa foi na garagem do sócio-fundador Engº Manuel Antunes Machado Torres, na Avenida Vasco da Gama, 26, Algés, mas as reuniões faziam-se em Lisboa.

Passou depois para Lisboa, para a Rua das Taipas, 12-r/c, naquele que veio a ser o atelier de Rolando Sá Nogueira; e só mais tarde, com o apoio fundamental da Fundação Calouste Gulbenkian foi possível passar para uma sede com condições logísticas e técnicas para servir de oficina, escola e galeria onde ainda se mantém, na Travessa do Sequeiro nº 4, instalações que foram inauguradas a 5 de Fevereiro 1960, com a presença do Dr Azeredo Perdigão, conforme a notícia abaixo de O Século de 6 de Fevereiro, assegurando a Gulbenkian a renda do edifício durante os dois anos seguintes.


Jornal O SÉCULO de 6 Jan 1960

Na inauguração:  J Pomar, A Vieira Santos, F Conceição Silva, J Julio Andrade dos Santos e J Azeredo Perdigão

Como pode ler-se na noticia acima a GRAVURA abriu com uma exposição de pintura, cerâmica e desenho de um dos fundadores, o artista Querubim Lapa, e tinha como objectivo imediato levar exposições itinerantes à África portuguesa e a todo o país, estando uma já preparada para seguir para Castelo Branco, a tal exposição que Sá Nogueira acompanhou e fez sessões de esclarecimento locais.

Mas a polícia política estava atenta a todas as movimentações e num relatório de 17 de Setembro de 56, o solícito agente informa as chefias da PIDE de todos os passos da "sociedade", dos sócios que a fundaram e dos elementos da direcção, terminando:
"Esta sociedade tem por fim promover a edição de gravuras de arte que serão elaboradas pelos respectivos sócios e exclusivamente destinadas aos mesmos. (...) Consta que tem apenas funções artísticas e que se destina a explorar uma arte que até agora o não tem sido em Portugal. Por enquanto o número de sócios é pouco superior à centena e são todos artistas."
Aqui fica a minha homenagem aos homens e mulheres pioneiros nesta aventura que tanto contribuiu para a alteração do gosto estético entre nós e mudou o estatuto da arte e dos artistas em Portugal.

Julia Coutinho

Nota: o meu muito obrigada ao Zé Pedro Andrade dos Santos pela cedência da foto da inauguração da GRAVURA que muito veio enriquecer este texto.

6 comentários:

Anónimo disse...

Para mim este artigo tem, para além do seu interesse puramente histórico, um valor acrescentado por ilustrar o que foi e representou o movimento cooperativo num certo contexto histórico. Como bem se constata deste texto, o movimento cooperativo não se esgota nas cooperativas de consumo, de distribuição, nas cooperativas de habitação ou até do ensino (onde se inclui por exemplo a famigerada Universidade Moderna ...). Com efeito, os ramos deste modelo societário estenderem-se também à cultura como aqui aparece bem ilustrado no teu artigo.

Ana Luísa Barão disse...

Saberá se existe ainda o arquivo desta Sociedade? E onde se encontra? Nos finais da década de 60 inícios de 70 era na sede da Sociedade Cooperativa dos Gravadores Portugueses na
Trav do Sequeiro, 4 Lisboa que a secção portuguesa da Associação Internacional de Críticos de Arte se reunia também. Procuro informação/documentação sobre esta fase inicial da AICA. Agradeço informação. Ana Barão analuisabarao@gmail.com

Daniel Figueiredo disse...

Tenho vindo a desenvolver trabalho e investigacao na area da gravura e encontro.m neste momento a finalizar a minha licenciatura em artes visuais. Desenvolvi grande parte do meu trabalho na oficina da Universidade de Evora e no ultimo ano estive a realizar 1 periodo de erasmus nas Belas Artes de Sevilha. Tenho vindo a conhecer 1a serie de oficinas e ateliers com condicoes exelentes para a pratica desta modalidade. Agora que tenho intencoes de viver 1ns tempos em Lisboa, fui conhecer a oficina da Sociedade de Gravadores Portugueses e para meu espanto, esta encontra.s quase abandonada.
Conheco a historia do local e tenho muita pena que o movimento se tenha perdido entre geracoes... Alguem me sabe dizer o porque de isso ter acontecido?! Como pode um local tao importante no desenvolvimento da arte em Portugal estar a ganhar teias de aranha?!! Onde esta a continuidade? Onde andam os jovens artistas portugueses??

J B Martins disse...

Esta á a origem e o papel que desempenhou e hoje que história está fazendo a "Gravura"?

zepedro disse...

Achei curiosa a informação sobre Mestre Almada, ainda mais curiosa porque conheço uma gravura feita na "GRAVURA" por Almada (uma bailarina que ficou com a assinatura invertida) que foi distribuida aos sócios nos primeiros anos penso eu

Júlia Coutinho disse...

Zé Pedro, essa gravura é uma relíquia. preserva-a bem!