quinta-feira, dezembro 01, 2011

Hoje é o meu aniversário

(desenho de Alvaro Cunhal)




AMIZADE
para a Júlia Coutinho



Se tu não existisses
tinhas de ser
inventada

Pelos amigos mais
íntimos

A começar no sorriso
e depois no coração
na palavra solidária

Na insistência
com a teima
de bandeira libertária

Por isso Júlia,
eu digo:
se agora nos fugisses


Tinhas de ser
recriada

Nessa tua resistência
de vontade
passionária.


Maria Teresa Horta
Lisboa, 1 de Dezembro de 2011





Nota: a Amizade e a generosidade da Maria Teresa Horta deixam-me sem palavras. Obrigada, querida Teresa!

terça-feira, outubro 25, 2011

Maria da Piedade Almeida (1916-2011)

Maria da Piedade Almeida (23-03-1916 - 14-10-2011)


No passado dia 14 deixou-nos para sempre, Maria da Piedade Almeida. Tinha 95 anos. Curvo-me perante a figura desta mulher de grande carácter e firmeza a quem a PIDE matou o marido em Janeiro de 1949, ficando sem quaisquer meios de subsistência e com uma filhinha para criar, e que lutou incansavelmente, antes e depois do 25 de Abril, para que se fizesse justiça e a morte do marido, António Lopes de Almeida, não ficasse esquecida.


A morte atroz de António Lopes de Almeida, operário da Marinha Grande, às mãos da sinistra polícia política, a PIDE, quando se encontrava detido no Aljube, já por mim tinha sido evocada neste blogue. Mas gostaria de vos deixar o testemunho oral de Maria da Piedade Almeida aqui assinalado e que expressa bem toda a dor e sofrimento por que passou esta família.


As minhas sinceras condolências à família.

Honra à sua Memória!





sexta-feira, julho 22, 2011

Fez-se História. Abril está vivo!

os «arguidos» Margarida Fonseca Santos, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira, ladeados pelos advogados Vitor Ferreira e o representante da SPA




«A crítica pública deve ser um direito e não um risco» - sentenciou o juíz ao absolver os «arguidos» do odiendo processo que hoje chegou ao fim. Mais: os queixosos foram condenados a pagar as custas do processo. 

Estão de parabéns Margarida Fonseca Santos autora da peça A Filha Rebelde, Carlos Fragateiro que dirigia o Teatro D. Maria II e que ousou leva-la à cena, e José Manuel Castanheira, também dirigente e co-autor da encenação.
Venceu a Liberdade de Expressão e de Criação artísticas. Venceu a Democracia. 

Iva Delgado, a filha do general Humberto Delgado - indirectamente visado no processo - escreveu, com toda a sua imensa sensibilidade e sentido cívico, o belíssimo texto que publico abaixo. Nada melhor para desfecho deste caso que nunca deveria ter existido.



A vitória dos rebeldes* 
por Iva Delgado


A sala do tribunal apinhada, os olhares que antes de se trocarem já se tocaram, o aperto no cotovelo, o beijo rápido, o sorriso escondido, o "vamos lá ver" sussurrado, a sensação de momento histórico, a presença inequívoca dos media, tudo isto se viveu no dia 22 de Julho de 2011, dia de leitura da sentença do caso " A Filha Rebelde".

A autora, serena e calma, era a imagem do equívoco gerado por este processo. A Margarida Fonseca Santos não cabe no papel de arguida, nem no de vítima, tampouco no de difamadora seja de quem for. Ela é a generosidade de alma, a criadora. Se alguma coisa se lhe pode atribuir de excessivo é a grandeza com que gere a sua arte, sem artifícios, genuinamente humana, centrada numa sensibilidade cândida.

A leitura da sentença durou uma eternidade, apesar da rapidez profissional do juiz. O esforço para captar o sentido das palavras, passada a floresta do emaranhado burocrático, a barreira das fórmulas processuais, o som não projectado da voz do juiz, o sorriso estéril da acusação não contribuíam para certezas prévias.

A meio da pilha de folhas lá se ia percebendo que a honra de uma pessoa só pode ser objecto de atentado se a pessoa for viva. Que a memória de alguém já falecido também tem questões normativas, que há prazos, limites, regras de jogo. Não é um qualquer familiar que por dá cá aquela palha se sente subitamente ofendido por palavras escritas em contexto ficcional, sobre um parente morto que é figura histórica. Tudo isso ia perpassando pelo que captámos da leitura do juiz. E muito mais, que quando um caso deixa dúvidas está em aberto para interpretações múltiplas, desde do ponto de vista histórico ao ficcional, passando pelo ensaístico, jornalístico e outros, que não se esgota no plano jurídico.

Uma frase, perfeitamente articulada, fixou-se como uma legenda iluminada: " A criação não é um risco, é um direito".

Nesse momento a Margarida estava ali, não porque escrevera uma peça sobre a filha do último director da PIDE, ofensiva para a memória e bom nome deste (dando a entender que fora o mandante do assassinato de Humberto Delgado) mas sim porque exercera o seu direito de expressar-se livremente através da ficção sobre uma figura histórica. Estas não pertencem aos seus familiares, nem são património exclusivo de ninguém. O juiz assim deliberou, assim absolveu, assim se retomou a rota democrática que cabe à justiça defender. Os cravos vermelhos trazidos por alguém foram uma efusiva confirmação da força do 25 de Abril que derrotou os Silva Pais deste país.


Lisboa, em 22.07.2011

*texto originalmente publicado no «GRUPO - Solidariedade com os réus do processo crime "A Filha Rebelde"» no Facebook. 


JC

sexta-feira, julho 08, 2011

No adeus a Antonio Jorge Branco (1937-2011)





Na hora da partida do António Jorge Branco faço minhas as palavras do Fernando Pinto.

Também eu fiz parte desta geração que ele tão bem descreve e que fez do After Height simultaneamente um refúgio e um local de liberdade. Tal como na «velha» Lontra... que nada tem a ver com a actual.
Lembro-me que quando o Adriano Correia de Oliveira morreu foi para o After Height que fui  carpir as mágoas e as lágrimas rolavam nos olhos e na voz de todos os presentes.
Obrigada, Fernando. Até sempre, António Jorge.




ANTONIO JORGE BRANCO
 
Estava hoje determinado em prosseguir a linha de textos que tenho vindo a elaborar, que se enquadram na tentativa de compreensão do nosso presente, na busca de sentido para o nosso futuro e nas formas de os conseguir. É uma reflexão que entendo todos devemos fazer para nos referenciarmos neste turbilhão de informações e contra-informações, de dúvidas e dívidas, de cupabilizações e descupabilizações e de contradições e confusões em que hoje nos vemos mergulhados. Contudo, esta época do ano é inclemente para quem está fisicamente debilitado e, talvez devido a esse facto, tenho perdido alguns amigos mais velhos e mais frágeis. E isso também me fez pensar na brevidade e no sentido desta nossa vida, e no exemplo que muitos constituem. Que eu tenha conhecimento, o último amigo que me deixou foi o António Jorge Branco. Jornalista de profissão, homem íntegro por opção, músico por paixão, o António era meu amigo há uma trintena de anos. No entanto, habituei-me a ouvir a sua voz bem timbrada há muito mais tempo quando, ainda puto, de férias em casa dos meus avós e obrigado a deitar cedo, metia o rádio dentro da cama (um “transístor” do tamanho de um tijolo…) e o ouvia a ele e á musica que passava, violando as directrizes grã-maternas de “fechar a luz e o rádio”. Isto passava-se, ainda a televisão era um luxo de poucos. Muitos anos depois, conheci um António Jorge que tocava piano num bar que eu frequentava. Tocava por prazer, de ouvido, mas como poucos. Disseram-me “É irmão do Zé Mário…”. Então associei, António Jorge… Branco! Quando finalmente lhe ouvi a voz, não duvidei: era a voz do “locutor” do Porto que fascinava as noites das minhas férias em criança, e perguntei-lhe. Que sim, que era jornalista e que o piano era só uma forma de escape. Contei-lhe da minha infância e assim começou uma amizade. Como gosto de cantar, ali se iniciou um duo ocasional, animando-nos a nós e aos nossos amigos, nessa Lisboa solta e que parecia não ter dia, porque de dia, cada um nas suas profissões, raramente nos cruzávamos. Recordo os irmãos Salomés, o Vitorino, o Janita e o Carlos, o António Victorino de Almeida e a Estrela Novais, o Luís Pignatelli e a Lia Gama e tantos, tantos outros actores, músicos, jornalistas, gente conhecida e gente como eu, anónima mas amante da noite. Para além da música, da noite e, porque não dizê-lo, dos copos, unia-nos uma grande esperança no futuro que então se começava a desenhar em liberdade, saídos que éramos da negra noite da ditadura. Fica-me a integridade, a coerência e a consistência da maioria dos boémios dessa Lisboa, unidos na liberdade daquele naco de noite sem obrigações. Obrigatória era só a conversa, a música, o convívio. Durante anos, aquele bar (para os anais, o “After Eight”, ali à Praça das Flores) foi o lugar geométrico de muitos de nós, a nossa sala de estar, o nosso clube de convívio. Ilusões e desilusões, sentimentos e ressentimentos, amores e desamores, tudo por ali passou. Como pano de fundo, o som do piano do António Jorge, do Rui Madeira, do Carlos Carlos, e de tantos outros, pianistas profissionais ou ocasionais insuspeitos. Hoje, seria um bar de “famosos”, então, era um retiro de gente desejosa que os holofotes se apagassem, que os microfones se desligassem, que fossem tratados como gente normal, que de facto eram e são. Com tanto jornalista por metro quadrado (os metros quadrados eram poucos, mas os jornalistas e os famosos, muitos), nunca nada do que ali se passou saltou para os jornais: o respeito pela privacidade era a regra e ali ninguém procurava cachas, notícias sensacionais ou escândalos. Mas tudo tem um tempo e aquele tempo acabou por acabar, acabando até com o tal bar. Muitos anos depois, ainda se tentou mudar de poiso e de novo se pediu ao António Jorge que reanimasse as noites moribundas. Debalde! O Tempo tem um tempo que só ele sabe e já nem mesmo o António Jorge, com toda a poesia que lhe saia das mãos quando as sobrepunha a um piano, conseguiu reanimar as noites da anunciada decadência. A Velha Guarda estava desmobilizada, dispersa, tratando dos netos, e a Nova, ainda em gestação, talvez em formação. E lá voltou ele prá sua TSF, tecendo com o amor e o saber que sempre pôs em tudo, as suas Lendas e Calendas dos seus Portugais Passados nos Dicionários da Rádio que tanto acarinhou. Hoje, ele, eu, os outros, encontramo-nos se calha, onde calha, e lá renovamos a cantoria, o convívio, a bebedoria (já menos, é certo) porque a amizade, essa, está fora de questão que algum dia sucumba. Mesmo que o António Jorge, como outros mais, tenha decidido que nunca mais voltaria a aparecer, continuaremos a celebrar e a celebrá-lo, embora saibamos que nada voltará a ser como dantes. Li nos jornais de segunda-feira: ”O jornalista António Jorge Branco, um dos fundadores da TSF, morreu hoje aos 74 anos de idade, disse fonte da estação de rádio à Lusa. António Jorge Branco, que actualmente não se encontrava no activo, foi responsável por programas como "Lendas e Calendas", "Portugal Passado" e "Dicionário da Rádio". O radialista foi também presidente do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas.” Para mim, para muitos de nós, não foi só o António Jorge Branco que se foi! Foi um símbolo de uma forma de estar na vida, de uma forma de ver e encarar o Mundo, foi mais uma teia que se nos rompeu na memória.
Fernando Pinto
CRÓNICAS AO CORRER DA PENA (504)
07 de Julho de 2011
PS - os sublinhados são meus. JC
 

sábado, julho 02, 2011

Jose Dias Coelho: a arte e a vida de mãos dadas

Imagem da sessão de 20-06-2011 com o organizador, prof José Fernando Vasco


No passado dia 20 fui à Escola Secundária Cacilhas-Tejo fazer uma conferencia sobre José Dias Coelho a que chamei «A arte e a vida de mãos dadas».

Fui muito bem recebida e tive uma plateia interessada e atenta.

Aqui vos deixo a notícia realizada pelos organizadores.
http://becre-esct.blogspot.com/2011/06/jose-dias-coelho-arte-solidariedade-e.html

E também a avaliação que a assistência fez da sessão:

http://becre-esct.blogspot.com/2011/06/o-prazer-de-ler-xii-jose-dias-coelho_22.html

Vale bem a pena a divulgação da vida e da obra do escultor José Dias Coelho, um homem morto pela PIDE aos 38 anos, quando muito havia a esperar dele como Homem e como Artista Plástico.


JC

terça-feira, junho 28, 2011

Helena Pato, foi bonita a festa, pá!





Foi lindo e emocionante o fim de tarde de ontem em que nos reunimos no São Luis para estar com a Lena e partilharmos as suas histórias do tempo do combate e da resistència ao fascismo salazarista. 
O tempo em que «eramos todos velhos» como bem definiu a Maria Antónia Fiadeiro no filme «48» da Susana Sousa Dias.
No final a Lena brindou-nos com uma intervenção extraordinária. Pela actualidade. Pela pertinência. Pela lucidez.
Por tudo isso não pode ficar apenas entre os que estiveram ontem no São Luiz.   Deixo-a aqui para todos.


 *
 
Minhas queridas amigas
Meus queridos amigos
 
(…) Brindaremos à preservação da memória da Resistência antifascista mas, também, à esperança com que temos de encarar as batalhas do futuro. Batalhas, sim, e duras, que não nos livraremos dessa estrela.

Peço-vos que me desculpem as palavras que, a este propósito, a seguir, vos dirijo, já que, à primeira vista, talvez vos pareçam sem relação com o livro. Creio que assim não é.
 
Esta série de histórias, a que dei o título «Já uma estrela se levanta», é uma trança de emoções e de afectos, no tecido da realidade dramaticamente adversa que foi a ditadura. Chamem-lhe ditadura, fascismo, o que preferirem, mas uma parte de mim e de muitos amigos aqui presentes ficou por lá, perdida para sempre. O facto de ser mulher salvou-me das agruras da guerra colonial, que fez perder a juventude aos homens da minha geração. No entanto, vivi 35 anos nesse regime de perseguições, prisões e torturas, e é essa realidade que teimo em ajudar a reavivar, pois que é essa realidade que insistem em querer fazer-nos esquecer. Veja-se o recente julgamento, num processo movido pelos herdeiros do Director da PIDE Silva Pais. Com o maior dos despudores, o Estado democrático atira para o tribunal uma escritora, acusando-a de, num texto literário, difamar um homem que, por enorme complacência desse mesmo estado, nunca respondeu por milhares e milhares de inegáveis crimes cometidos sob a sua responsabilidade.

Um tal ameaça à liberdade de expressão, uma tal ofensa à memória de milhares e milhares de vítimas da PIDE, deviam contar com um grito de revolta, vindo não apenas de quem se recorda do fascismo, como também dos jovens que, recentemente, revelaram a enorme capacidade de, com recurso às redes sociais, se organizarem com outras preocupações e desfilarem na Avenida da Liberdade. Não senhor, uns e outros parecem não lhe dar importância. Talvez porque o branqueamento do passado não seja coisa que aflija. Somos muito «prá frentex» e o que lá vai, lá vai.

Ouço dizer: «Para quê voltar às recordações desse tempo? São feridas fechadas, agora vivemos num Estado democrático e esse Estado democrático está integrado na vasta democracia que é a Comunidade Europeia. O regresso a ditaduras está fora de questão!». Os amigos aqui presentes conhecem-me: sou uma incorrigível optimista. Contudo, tratando-se de crenças, confesso-me agnóstica. De há uns tempos para cá, assisto, perplexa e receosa ao que se passa no Egipto, insurjo-me com os desenvolvimentos que vão fazer História na Líbia, enquanto, na Europa, assistimos à chegada ao poder dos altos interesses financeiros, pela via democrática. É um amargo «pão-nosso» de cada dia. Estamos, objectivamente, a caminho de uma Europa governada pela extrema-direita, ou por conservadores apoiados em parlamentares da extrema-direita.

Ao apresentar-vos mais uma mão-cheia de histórias de um período da nossa História tão marcado pela ideologia fascista, regozijo-me por viver em democracia, e não quero estabelecer comparações. Porém, nessa situação europeia, e confrontada com a imparável crise internacional causada por um capitalismo especulativo, olho apreensiva para o nosso país.

Mas será que Já uma estrela se levanta – como escrevo no título? Não acho. Vejo a nossa sociedade economicamente muito vulnerável e, ao longo da última semana, percebi que se aproxima uma escalada política imparável, com esta direita ultra liberal na governação: é um quadro particularmente assustador para quem, como eu, nasceu em 1939. Dir-me-ão: «É a vida!»

É claro que é a vida, que houve eleições, que os resultados aritméticos são inquestionáveis, e que assim estamos. Muito bem. Ou muito mal, depende dos pontos de vista. Mas a questão que me suscita real apreensão surge-me, isso sim, quando olho a nossa democracia de um outro ângulo. Estará preparada para vir a resistir ao estrangular das liberdades? Reforça-se ou submete-se?

Sabemos que a democracia, nascida com a revolução de Abril, trouxe aos portugueses enormes progressos em matéria de escolaridade. Contudo, lamentavelmente, ainda não conseguimos ver correspondentes reflexos no seu nível cultural, no seu nível de civismo, ou de cidadania. Parece-me que a nossa sociedade continua com poucos hábitos de participação cívica e que se encontra demasiado vulnerável à penetração de receitas de facilidade. Na cultura, na educação, como na política. A desmotivação relativamente à vida política torna os cidadãos seguidores, ou perseguidores acidentais, de personalidades, e não sujeitos que optam por ideias ou que as combatem. São poucos os que vemos participar politicamente, libertos de intenções imediatistas ou de interesses estritamente individuais: o interesse colectivo, o interesse nacional, tem vindo a deixar de estar presente nas escolhas que fazemos.

Ocorre-me que, para o amadurecimento da nossa ainda jovem Democracia, se é grave a elevada abstenção nos actos eleitorais, certamente associada a uma grande descrença nas soluções apresentadas no âmbito do actual sistema partidário, talvez seja bem pior a participação eleitoral de quem, «consumidor dependente» de «faits divers» e de retratos robots oferecidos pela comunicação social, associa uma cruz a uma escolha frivolamente ocasional. De facto, no mundo conturbado em que vivemos, é terrível o extraordinário poder persuasivo detido pela comunicação social, num crescente e apurado jogo de técnicas de fabrico de opinião pública. Sobretudo porque se dirige, mais ou menos inteligentemente, a um universo de crédulos cidadãos com poucos hábitos de reflexão crítica, e com um limitado nível de educação para a cidadania.

A opinião pública, tornada vontade popular, nasce de uma torrente obscura de interesses veiculados por um sistema mediático que, sob uma capa de aparente pluralismo e de inquestionável objectividade, nos esconde a realidade, pactua com oportunismos e com demagogias, constrói universos à medida das exigências dos poderes instituídos, das modas e das audiências. Tenho a ideia, porventura linear, de que, nesta matéria, as regras do jogo se mantêm desde o 25 de Abril, isto é, continua a ditar quem pode. Há excepções? Claro que há excepções. O que inquieta, como diz um amigo, é as excepções poderem ser cada vez mais raras.

Se há inúmeros jornalistas e comentadores a quem reconhecemos extraordinária isenção, se a rádio parece ser uma honrosa excepção, já a chamada imprensa séria vem assumindo, cada vez mais, o papel antes reservado aos tablóides e passa da função informativa à disputa da liderança de opiniões. Dinamiza “causas públicas” aguçando ódios. Por outro lado, a televisão é, realmente, uma arma de destruição maciça da cidadania, lançada sobre um público que vive acriticamente entalado entre uma programação de lazer com pouca qualidade, e uma informação entediante, produzida, senão por encomenda dos diferentes poderes, pelo menos alheada do nível cultural e político daqueles a quem se destina e, em certos casos, com o único objectivo de lhes formatar o pensamento. Na Net, as redes sociais que parecem ser um campo de comunicação enormemente construtivo e enriquecedor, são-no de facto, mas apenas para uma minoria esclarecida, já que, para uma maioria, consomem gratuitamente tempo e empobrecem as relações, destroem expectativas de genuína participação cívica.

Por isso, ao entregar-vos mais algumas recordações de um passado longínquo, faço-o com um profundo medo: medo de que, na crise, também moral, que atravessamos, a falta de cultura e a ausência de ideias próprias, para não falar do vazio de ideologias, por parte de ainda muitos cidadãos, seja um terreno extremamente propício a populismos e à alienação de liberdades – primeiro de pensamento, depois de expressão, e por aí fora. A ditadura pode espreitar e, ainda que sob forma diferente daquela do passado, entrar de mansinho, na tradição portuguesa de brandura, e instalar-se. Travestida de madrinha protectora da frágil nação.

Chega-nos de todos os lados a opinião, repetida como um slogan, de que o futuro tem de se construir com os jovens. Só concebo um futuro que valha a pena com democracia plena, económica, social e política, e tenho para mim que apenas caminharemos nesse sentido com a participação generosa, activa, mas sobretudo inteligente, das novas gerações. Estou certa de que a batalha da cidadania estará perdida se não contarmos com jovens preparados para opinarem de forma responsável sobre o seu futuro, e capazes de fazerem, a cada momento, escolhas emancipadas, livres e conscientes. As ofertas culturais, a Comunicação Social e o Ensino detêm, nessa perspectiva, grande responsabilidade e um papel determinante. Oxalá! – Digo-o com grande franqueza. Mas, na Educação, apenas me anima a ideia de que a vida nos ensina que não há mal que não acabe, pois que…

Por enquanto, tudo aponta para um desinvestimento na formação cívica dos jovens e no desenvolvimento da sua inteligência e do seu espírito crítico. Isto, a avaliar pela matriz ideológica do actual ministro, revelada ao longo da última década como comentador, quer nas obsessivas críticas às Ciências da Educação, quer à docência, primeiro da Matemática e, depois, na generalidade dos ensinos básico e secundário. São críticas que reflectem uma visão ultra conservadora da Educação e do Ensino, um profundo desconhecimento acerca das diferentes metodologias e didácticas praticadas no nosso país, e, sobretudo, uma enorme ignorância sobre conceitos fundamentais de Psicologia da aprendizagem – que ele confunde, consciente ou inconscientemente, com «pseudoconceitos», estranhos à Ciência e à comunidade científica. A mim, tal como a muitos professores de Matemática que o seguiam na comunicação social, sempre me espantou, num homem de Ciência, a falta de rigor intelectual, ao ridicularizar, recorrendo a exemplos isolados e caricatos, didácticas e práticas docentes de grande sucesso, que algumas colegas aqui presentes podem testemunhar.

Às vezes, ocorre-me que temos à frente do Ministério da Educação um fundamentalista com uma guerra santa: pôr termo à ligação do ensino à vida e a qualquer pedagogia posterior aos anos 50. Serão receios infundados?

Em todo o caso, estamos perante um governante que terá uma urgente aprendizagem prática a fazer:

– Que o regresso aos seus anos de liceu já não é possível

– Que as considerações que tão aplicadamente fazia na comunicação social estavam, afinal, radicadas no mais profundo desconhecimento da realidade social e escolar portuguesas

– Que, à frente de um ministério, não pode insistir em ignorar as orientações educativas europeias e mundiais.

O período extraordinariamente complexo que vivemos exige-nos, qualquer que seja a nossa opção política, uma maior participação cívica no traçar dos destinos do País, uma maior interiorização dos deveres de solidariedade social e de cidadania, com um acrescido e empenhado esforço na concretização desses deveres. E acredito que nós, obreiros e herdeiros de Abril de todas as gerações, não abdicaremos do papel interventivo e generoso, que nos cabe neste largo combate, seja na frente educacional, seja na frente política ou da Cultura.

De resto…

Como se cantava no hino de Caxias, de onde retirei o título para este livro: «Vá mais um passo, camarada, já uma estrela se levanta, cada fio de vontade são dois braços e cada braço uma alavanca»

A todas as amigas e a todos os amigos aqui presentes, tão diversos - «mouros e cristãos, pretos e brancos, e nem uma coisa nem outra» - agradeço a presença, esperançada em que retirem prazer da leitura deste livro.

Pudesse eu dar-vos um só abraço, um abraço que vos juntasse e nos fizesse sentir que, nas boas almas, todas as diferenças são realmente ultrapassáveis…

Helena Pato
São Luiz, 27 de Junho de 2011



domingo, maio 29, 2011

Maria Helena Coimbra, uma Mulher determinante na minha vida

Julia Coutinho e M Helena Coimbra no dia 8 de Agosto 2008, naquele que seria o último encontro de ambas

No dia 27 de Março passado teve lugar uma Homenagem a Maria Helena Coimbra no Museu Escolar de Marrazes, que ela ajudou a nascer e implementar. Como sua aluna, afilhada e amiga, fui convidada a fazer uma intervenção. Deixo aqui o essencial do meu texto, tal como foi publicado no jornal Gazeta das Caldas. Foi uma honra poder dizer publicamente o quanto Maria Helena Coimbra foi importante na minha vida.


M HELENA COIMBRA, UMA MULHER DETERMINANTE NA MINHA VIDA


Tinha 14 anos quando me matriculei no curso nocturno da Escola Comercial de Caldas da Rainha. E assim conheci Maria Helena Coimbra, professora de Religião e Moral.

Parece que estou a vê-la: pequenina, um andar saltitante nos seus sapatos rasos, de «sola de ceilão», sorriso rasgado, voz de gaiata, e tão expressiva que parecia falar com o rosto todo. De uma energia contagiante, tinha o condão de nos aproximar de si, de nos fazer sentir como iguais. Uma proximidade feita de ternura e respeito. Com uma força de vontade enorme, os obstáculos não existiam porque, muito naturalmente, eram para ser superados. Era a nossa heroína. Queriamos ser como ela, desempoeirada, sem teias de aranha na cabeça nem macaquinhos na sótão. Uma mulher do seu tempo.

Estavamos na primeira metade dos anos sessenta e as aulas de Religião e Moral, eram tudo menos religião e moral. Eu já começara as minhas crises existenciais e os meus conflitos religiosos mas com as suas aulas aconteceu um apaziguamento. De tal maneira que ainda fui crismada e a Maria Helena foi minha madrinha. Não valeu de muito porque hoje sou ateia, mas a sua influência estendeu-se muito para além das questões da religião.

Vivia-se o Concílio Vaticano II e a Maria Helena trazia para as aulas a importância do Papa João XXIII que teve a coragem de convocar um concílio «tendo em conta os desvios, as exigências e as possibilidades» colocadas à Igreja e à sociedade, contra os que nos tempos modernos apenas viam «prevaricações e ruinas (…) em comparação com épocas passados (…) e se portavam como quem nada aprendeu da História, que é também mestra da vida», conforme o discurso de abertura.

Lembro de discutirmos o Decálogo da Serenidade que contém 10 sugestões de conduta para quem deseja a paz. Todas as frases começavam: «Só por hoje» e recordo especialmente uma que suscitou grande debate na aula e me impressionou particularmente: «só por hoje, dedicarei 10 minutos do meu tempo a uma boa leitura, recordando que, assim como o alimento é necessário para a vida do corpo, a boa leitura é necessária para a vida da alma».

Maria Helena desdramatizava tudo descomplicava tudo e fazia-nos acreditar que eram possíveis os nossos sonhos por improváveis que parecessem. A todo o momento nos incentivava, nos incutia força e determinação, muitas vezes dando exemplos e sugestões que eram rastilho para o que nos pareciam (im)possibilidades. Mais do que religião, ela ensinou aos seus alunos a camaradagem, a fraternidade, a solidariedade, o trabalho, a dignidade e o respeito. Ensinou-nos a pensar. A acreditar. Ensinou-nos a cidadania.

Para mim era um exemplo a seguir. E, por coincidência, tinha o mesmo nome da mãe que tão cedo eu perdera: Maria Helena.
Um dia falei-lhe particularmente. Contei-lhe de mim e dos meus projectos. Generosamente, levou-me para o Museu José Malhoa, que dirigia. Durante dois anos, actualizei a inventariação do acervo museológico. Ensinou-me a escrever à máquina e a fazer palavras cruzadas, uma descoberta que me deixou maravilhada.

Lembro-me que com o primeiro dinheiro recebido quis comprar um livro e a Maria Helena aconselhou-me o «Não Matem a Cotovia» de Harper Lee, um livro que acabava de sair e que tratava dos Direitos Humanos e dos preconceitos raciais nos Estados Unidos, problemática que pela primeira vez se me colocou. Perdia-me na biblioteca do museu. Imaginem uma jovem de 15 anos, curiosa e sedenta de saber, rodeada de livros e obras de arte! Foi uma imersão que marcou para sempre a minha vida. E se hoje sou licenciada em História da Arte e sigo investigação a ela o devo também. Porque me incutiu esse gosto e me incentivou a lutar por ele.

Em 1966 passei a viver em Lisboa e a Maria Helena também me seguiria três anos depois. Foram longos tempos sem nada sabermos uma da outra. Só há cerca de onze anos a reencontrei e foi emocionante voltar a ver a minha querida professora, madrinha e amiga. Tinha urgência em falar-lhe de mim, do meu percurso de vida, e de como fios invisíveis mas inquebrantáveis sempre nos haviam unido. Penso que lhe terei dado alguma alegria com isso.

Sempre considerei Maria Helena como a «minha madrinha». Se analisarmos a palavra madrinha veremos que é a junção da palavra «madre=mãe» com o sufixo «inha=pequenina». Ou seja «mãezinha». A minha conclusão é de que madrinha significa, simbolicamente, uma mãe pequena ou, metaforicamente, uma segunda mãe.

Por outro lado, a palavra madrinha também designa «aquela que protege, que guia» e aí nunca existiram dúvidas, ela foi a pessoa que orientou os meus primeiros passos de jovem adolescente e quem me ensinou a caminhar sozinha. Devo-lhe essa imensa força.

Maria Helena tinha grande sentido de humor e sabia rir de si própria, uma qualidade rara e muito inteligente. Dizia que as coisas sempre lhe tinham acontecido inesperadamente, sem as procurar. E tinha razão. Vejamos como foi dar aulas de Religião e Moral sem nunca ter dado catequese. Filha de um anticlerical, ela e a irmã, Graça, apenas foram baptizadas aos 19 anos, por decisão própria. Sem qualquer formação religiosa, foi o próprio pai quem as preparou para a cerimónia. É que o anticlerical Augusto Dias Coimbra, era igualmente um especialista em Direito Canónico e conhecia a Bíblia como ninguém, estando apto, por isso a instruir as filhas.

Mais tarde, é convidada para dar aulas de Religião e Moral, o que a deixou surpreendidíssima. Maria Helena estava à frente do Museu José Malhoa e começara a contactar o Patriarcado para se fundar um Museu de Arte Sacra nas Caldas. Mas as suas qualidades humanistas impressionaram o padre com quem falava habitualmente e foi ele que a convidou para dar aulas na escola comercial da cidade. Aceitou, tal como aceitava todos os desafios que envolvessem a juventude. A Igreja queria uma «reviravolta nas aulas de religião e moral» e tiveram-na com Maria Helena. Talvez por ser independente, aberta e sem preconceitos. Pena não terem existido muitas mais professoras como ela.

Não sendo conservadora, Maria Helena era muito apegada às memórias e às tradições familiares. Falava com prazer da sua infância e da casa cor-de-rosa dos avós maternos, na Figueira da Foz. Uma casa enorme, onde nasceu por ser tradição lá nascerem todos os primos, e onde foi muito feliz, sendo com tristeza que mais tarde assistiu à sua venda. Tal como a cama onde nasceu, uma cama de ferro antiga, mas que uma tia pouco apegada ao passado decidiu vender. Era muito ciosa das coisas afectivamente importantes e simbólicas e o desprendimento de alguns familiares deixava-a desolada.

Tinha um amor incondicional pela família e adorava o pai, com quem manteve uma relação fortíssima. As suas memórias mais remotas de carinho estavam associadas ao pai, ao contrário da irmã, mais ligada à mãe. O amor pela família ia até ao sacrifício pessoal, se preciso fosse, como aconteceu quando o pai teve o primeiro enfarte, aos 49 anos, e decidiu interromper os estudos e ir trabalhar para que a irmã pudesse continuar a estudar. Casou com o Jorge nos anos setenta mas nunca se separou da Graça, a irmã mais nova um ano, mas de quem se sentiu protectora até ao fim da vida.

Um mês antes de falecer passei um domingo com ela, o Jorge e a Graça. Seria a última vez que estaríamos juntas. Levei comigo o gravador e a máquina fotográfica e, durante a tarde, tivemos uma longa conversa onde recordou a infância, a família, os estudos, a ida para o Museu, as aulas na Escola Comercial, a vinda para o Museu de Arte Popular, em Lisboa. São três cassetes com a sua voz juvenil, por onde desfilam as memórias, os afectos e os desafectos de uma vida preenchida e com alguns escolhos à mistura.

Foi assim que fiquei a saber do Museu Escolar de Marrazes. Falávamos do seu amor pelo coleccionismo, pela museulogia, da preocupação que sempre teve de que não se perdessem as memórias históricas, e que a levou a guardar tudo quanto eram objectos e documentos familiares. A certa altura disse: «olha, por isso é que eu estou a dar as minhas coisas antigas da escola, livros antigos do meu pai, provas da 4ª classe da minha mãe, coisas do meu avô… Fui guardando, guardando e agora vai tudo para o Museu de Marrazes. Já lá fui levar uma parte. Sabes que sempre tive esta ideia de juntar as coisas, de as preservar.» Soube, assim, da existência do Museu Escolar de Marrazes e das preciosas contribuições que dera para que o mesmo fosse uma realidade.

Prezava muito a Liberdade, e uma das recordações que tenho do nosso último encontro é ouvi-la afirmar: «sempre gostei muito das Caldas [da Rainha] porque, desde miúda, as Caldas [da Rainha] eram um local de Liberdade para mim!».

Maria Helena Coimbra teria feito 86 anos no passado dia 25 de Março. Partiu demasiado cedo para os que a amavam e para o muito que ainda poderia dar-nos. Pessoas como ela sempre disponíveis para os outros, lúcidas, activas e repletas de sabedoria, não deveriam partir… ou deveriam-no apenas quando o seu exemplo e o seu saber proliferassem e passassem de mão em mão, de boca em boca. Para que o mundo se tornasse melhor. Porque são pessoas assim, especiais, que fazem a vida acontecer.

Deixo-vos com um poema que fiz aquando da sua morte, em 24 de Setembro de 2008:

«Contigo / acreditei / nas minhas asas / e voei. / Ensinaste-me / o tropeçar/ o cair / o magoar. / Mas sempre / sempre / o (re)erguer. / Foste a pessoa exacta / no momento incerto. / Como posso dizer-te adeus?»


Julia Coutinho

domingo, abril 17, 2011

25 de Abril, Sempre!






LIBERDADE




Não podemos

deixar

que a liberdade seja



tornada em amargor

ou sonho apenas

feito de memória-luz, fragor



O cravo uma metáfora

que se esgueira.

Vinte e Cinco de Abril à beira-Tejo



Perigando e oscilante

a desfolharem-na,

da sua utopia, enquanto dela



sabemos de salvar e tanto

querer, por quem sempre

lutou para ser lume



Em tumulto de asa

quando voa, bela

redentora e visionária



A transformar

o mundo

e já mudando



Rútila

audaz

e passionária





Maria Teresa Horta


Lisboa, 25 de Abril de 2011




Não nos roubem a LIBERDADE






Joaquim Pessoa (Barreiro, 1948) é um poeta há muito arredado do nosso convívio. Não se edita, não se lê, não se escuta. Das gerações mais novas, quem o conhece? talvez quem o segue no Facebook. Mas ficará na História como um dos autores mais interventivos de Abril. Pouco importa que alguns eruditos o considerem «poeta menor». Para mim e para muitos outros Joaquim Pessoa será sempre a voz do Amor-Combate dos tempos do PREC.



AS PALAVRAS DO MEU CANTO

Palavras que não morrem. Nunca morrem
se um homem as disser sempre de frente.
Palavras que não morrem. Nunca morrem
porque são a razão de quem as sente.

Palavras. Todas elas do meu povo.
Amigas. Companheiras. Namoradas.
E são o canto antigo. O canto novo
de quem não as quer ver amordaçadas.

Palavras que são vento. E tempestade.
Palavras que são sol. E são abrigo.
Verdade. Amor. Poema. Liberdade.
E a palavra maior: palavra Amigo.

Palavras que são arcos. E são setas.
Com elas se defende uma canção.
As palavras são as armas que os poetas
devem fazer passar de mão em mão.

Camões lutou com elas. E por elas.
Junqueiro perfilou-as. E Cesário
abriu todas as portas e janelas
e veio à rua escrever como um operário.

As palavras do sangue. Essas palavras
que são a tua foice. O meu poema.
Palavras de suor quando tu lavras.
De alegria se escrevo e vale a pena.

Palavras que te dizem: estou aqui.
Palavras que me doem. E que eu canto.
Palavras com raiz no meu país
e que já me doeram. Nas não tanto.

Palavras que não gosto de dizê-las
assim feridas. E tu amor não digas!
Palavras encarnadas. Estou a vê-las
em Maio que é o mês das raparigas.

São palavras de fogo. Mas não ardem.
Palavras simples. Do meu cantar de agora.
São palavras. Amigas que não partem.
E ficando resistem à demora.

Palavras que não morrem. Nunca morrem.
E são a minha voz. A minha gente.
Palavras que não morrem. Nunca morrem
se um homem as disser sempre de frente.


Joaquim Pessoa, in Amor Combate, p.107

domingo, março 27, 2011

Maria Helena Coimbra: uma justa homenagem



Maria Helena Coimbra foi minha professora, minha madrinha e minha amiga.
Foi a pessoa que guiou os meus primeiros passos na adolescência.
Devo-lhe muito do que sou.
Muito mais do que possa dizer.
Era um Ser excepcional.
Amanhã vai ser homenageada pelo Museu que ajudou a construir, o Museu Escolar de Marrazes, e eu lá estarei para a recordar.
Um privilégio que muito me honra.


sábado, março 19, 2011

Ciclo de Conferências: A República das Mulheres


A encerrar um ciclo dedicado à Mulher, todas as 4ªs feiras de Março
Na próxima 4ª feira, dia 23 de Março, pelas 19 horas, na Biblioteca-Museu Republica e Resistência, Espaço Grandela, Estrada de Benfica, 419.

  • São José Almeida: Lésbicas no Estado Novo
  • Júlia Coutinho: Artistas Plásticas na Oposição a Salazar
Gostava de vos ver por lá




sábado, fevereiro 05, 2011

Parabéns, Tereza Arriaga!

Tereza Arriaga (Lisboa, 05-02-1915)


Nasceu há 96 anos, no Palácio de Belém, quando o avô era Presidente da República.

Espírito independente e generoso, foi toda a vida uma lutadora pelos direitos das mulheres e dos mais desfavorecidos. 

Foi dirigente da Associação Feminina Portuguesa para a Paz, do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas e uma das organizadoras da Exposição Internacional de Livros escritos por Mulheres, na SNBA, em Janeiro de 1947.
Esteve presa em Caxias, às ordens da PIDE, durante seis meses. 

Tem o curso superior de Pintura da Escola de Belas Artes de Lisboa. Ensinou toda a vida.
Expôs nas EGAPs, Exposições Gerais de Artes Plásticas (1946-1956), na SNBA e em outras individuais e colectivas.
Pinta admiravelmente. 
Ainda guia o seu automóvel na localidade onde reside. 
Escreve e pinta quase diariamente.

Uma mulher extraordinária que tenho a sorte de conhecer e o privilégio de ter como Amiga.

Parabéns, Maria Tereza Arriaga!





sexta-feira, janeiro 28, 2011

Parabéns, Maria Amelia Chaves!


Nasceu em 28 de Janeiro de 1911. Faz hoje 100 anos.

Foi a primeira mulher a ter a «ousadia» de entrar para o Instituto Superior Técnico, em 1931.

Foi a primeira mulher a licenciar-se em Engenharia Civil, pelo IST, em 1937.

Foi a primeira mulher a inscrever-se na Ordem dos Engenheiros.

Foi também a primeira pessoa de engenharia a desenvolver cálculos antissismicos nas construções, tendo sido, por isso, relatora no I Congresso dos Sismos, realizado em 1955.

Exerceu a profissão até aos 90 anos.

Tem cinco filhos, 11 netos e 9 bisnetos.

Maria Amélia Chaves foi pioneira num reduto de homens, mas teve no pai, João Carlos Pires Ferreira Chaves, um militar republicano, o seu maior aliado.

Deu-me a honra de uma longa conversa que será publicada no próximo número da revista Faces de Eva, a sair em Maio.

Parabéns, Maria Amélia!



Nota: sabe-se que a 1ª mulher a frequentar um curso técnico de engenharia civil, pela Escola Politécnica do Porto,  foi Rita Morais Sarmento, em finais do século XIX, porém não se encontram as fontes primárias que atestem o seu percurso académico; o curso não era superior, o que no Porto só acontece a partir de 1915 com a
fundação da Faculdade de Engenharia; sabe-se que constituíu família e faleceu em 1931.  Também nunca exerceu. Maria Amélia Chaves foi a primeira engenheira civil formada pelo Instituto Superior Técnico, a nova escola científica no pós-República. Foi também a primeira mulher a exercer totalmente a profissão, num mundo dominado por homens. A primeira a ir para as obras, fiscalizar. A primeira a assinar projectos e a acompanhar a construção dos mesmos. Pode, por isso mesmo, ser considerada a Primeira Engenheira Civil Portuguesa. Com toda a legitimidade.


quarta-feira, janeiro 26, 2011

Política e Justiça na I República, vol. I (1910-1915)



Política e Justiça na I República,
Um regime entre a legalidade e a excepção
vol. I (1910-1915)
de
Luís Bigotte Chorão


Quinta-Feira, dia 27 Janeiro, pelas 18H30,
no Espaço Justiça, Ministério da Justiça, Terreiro do Paço
Apresentação pelos profs. Fernando Catroga e António Hespanha


«O estudo que agora se publica constitui o primeiro de um conjunto de três volumes que, sob o título Política e Justiça na I República, Um regime entre a legalidade e a excepção, tem por objectivo analisar e reflectir historicamente a experiência política que se iniciou com a fundação da República, em Outubro de 1910, e se estendeu ao longo de dezasseis anos incompletos para soçobrar ingloriamente na sequência das desencontradas, mas, a final, vitoriosas arrancadas de Maio de 1926.
Admitindo-se as vantagens da exposição segundo a ordem cronológica dos acontecimentos, ocupamo-nos neste primeiro volume dos anos 1910-1915 que correspondem essencialmente ao mandato revolucionário do Governo Provisório e à constitucionalização do regime com a eleição de Manuel de Arriaga como Presidente da República, cujo mandato acabaria por ser interrompido pelos acontecimentos de 14 de Maio que colocaram fim ao Governo Pimenta de Castro.

O segundo volume cobrirá os anos de 1915-1920 e o terceiro os anos do fim da I República, devendo ser acrescentado de três estudos autónomos sobre a Constituição Política de 1911, a liberdade e a censura e, por fim, sobre a política e justiça colonial republicana.»

 
Lá estarei para abraçar o meu amigo Luís.
Foi um privilégio ter trabalhado com ele.



terça-feira, janeiro 18, 2011

Portugal e os cidadãos de primeira

Vitor Alves (30.09 .1935 - 9.01. 2011)

Crónica de António de Sousa Duarte publicada no Público de 12 de Janeiro 2011


PORTUGAL E OS CIDADÃOS DE PRIMEIRA

As mortes de Vítor Alves, capitão de Abril, e do cronista cor-de-rosa Carlos Castro mostram algumas evidências sobre o país.

Separadas por escassas horas, as mortes do coronel Vítor Alves, "capitão de Abril", e do cronista "cor-de-rosa" Carlos Castro tiveram o condão de fazer notar uma vez mais algumas evidências sobre Portugal e os portugueses que nunca será de mais destacar. Na verdade, mesmo admitindo as macabras circunstâncias em que Castro foi assassinado e os requintes de malvadez de que foi aparentemente vítima, não parece normal que tal facto tenha merecido tão esmagadoramente maior espaço mediático do que o desaparecimento de um dos principais símbolos da Revolução do 25 de Abril de 1974 e destacado operacional da construção do processo democrático.

Vítor Alves faleceu domingo, cerca de 36 horas depois da morte, em Nova Iorque, de um colunista social conhecido por se dedicar há décadas a analisar os factos da actualidade "cor-de-rosa" nacional. Considerado em muitas das biografias espontâneas que dele nos últimos dias chegaram ao nosso conhecimento como "um cidadão de primeira", Vítor Alves foi um homem probo, sério, rigoroso, sensível que contribuiu de forma decisiva - antes e depois do dia 25 de Abril de 74 - para o actual regime democrático em Portugal. Vítor Alves, que integrou, com Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho, a comissão coordenadora e executiva do MFA (Movimento das Forças Armadas), foi o autor do primeiro comunicado dirigido à população no dia 25 de Abril e o militar que foi o porta-voz do Movimento. Mas as exéquias mediáticas de Vítor Alves foram curtas, muito curtas, se levarmos em conta a importância do seu legado e o impacte informativo que outros factos da actualidade suscitaram e de que é exemplo, sublinho, a vaga noticiosa relativa à morte de Carlos Castro.

O país trocou "um cidadão de primeira" por uma "história de segunda", mas o desiderato é positivo: chancela-se a morte do militar, político, ministro e conselheiro da Revolução em rodapés a correr e baixos de página e atribuem-se honras de Estado... mediático ao assassinato do cronista (não cronista social como alguns lhe chamam, como se Carlos Castro e Fernão Lopes fossem páginas do mesmo livro...) e às incidências macrotrágicas em que foi encontrado o seu corpo após alegada tortura, castração e assassinato. Mas a responsabilidade de todo este "estado a que - de novo e citando Salgueiro Maia - chegámos" não é do povo. Porque não é o povo que edita jornais, blocos noticiosos, telejornais ou sites.

Nem é o povo o responsável por Marcelo Rebelo de Sousa ter dedicado ontem, no Jornal da TVI, mais tempo de antena à morte de Carlos Castro do que ao desaparecimento de Vítor Alves.

António de Sousa Duarte
Ex-jornalista, consultor de comunicação, doutorando em Ciência Política

domingo, janeiro 16, 2011

No adeus ao Capitão de Abril, Vitor Alves (1935-2011)


Major Vitor Alves (1935-2011)



Faleceu no dia 9 de Janeiro o major Vitor Alves, um dos gloriosos Capitães de Abril.

Deixou-nos mais um membro desta «ínclita» e generosa geração que soube dar um «novo mundo» ao nosso mundo e devolver-nos a Liberdade com o 25 de Abril.

É lamentável que a morte deste Homem a quem os portugueses tanto devem, tenha merecido tão pouca atenção por parte da comunicação social que praticamente ignorou a sua morte e o seu funeral, tendo preferido homenagear  à exaustão o cronista social cuja morte ocorreu sensivelmente na mesma altura.

Pergunto-me: como é possível? quais os valores que determinam as prioridades jornalísticas neste país? quem são as pessoas que dirigem os nossos orgãos de comunicação social? Onde ficam os supostos valores éticos do jornalismo? não consigo entender.

O documento que aqui deixo é da autoria de Teresa Alves, sua mulher, e foi por ela lido durante as cerimónias fúnebres, tendo sido distribuido aos presentes.

Trata-se de um documento emocionante que traduz o percurso de um Homem bom e a serenidade de uma vida cumprida.

Sejamos dignos da sua Memória!


Julia Coutinho

























































sábado, janeiro 01, 2011

Os meus amigos Miró e Elis Regina

Os meus amigos de quatro patas: Miró (branco) e a Elis Regina




«Escolho os meus amigos não pela pele ou outro arquétipo qualquer, mas pela pupila. Tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.
(...)
Escolho os meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta. Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria. Amigo que não ri junto não sabe sofrer junto. Meus amigos são todos assim: metade estupidez, metade seriedade. Não quero risos previsíveis nem choros piedosos. Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos nem chatos. Quero-os metade infância e outra metade velhice. Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto e velhos, para que nunca tenham pressa. Tenho amigos para saber quem eu sou. Pois os vendo loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que "normalidade" é uma ilusão imbecil e estéril.»


Oscar Wilde