sexta-feira, julho 22, 2011

Fez-se História. Abril está vivo!

os «arguidos» Margarida Fonseca Santos, Carlos Fragateiro e José Manuel Castanheira, ladeados pelos advogados Vitor Ferreira e o representante da SPA




«A crítica pública deve ser um direito e não um risco» - sentenciou o juíz ao absolver os «arguidos» do odiendo processo que hoje chegou ao fim. Mais: os queixosos foram condenados a pagar as custas do processo. 

Estão de parabéns Margarida Fonseca Santos autora da peça A Filha Rebelde, Carlos Fragateiro que dirigia o Teatro D. Maria II e que ousou leva-la à cena, e José Manuel Castanheira, também dirigente e co-autor da encenação.
Venceu a Liberdade de Expressão e de Criação artísticas. Venceu a Democracia. 

Iva Delgado, a filha do general Humberto Delgado - indirectamente visado no processo - escreveu, com toda a sua imensa sensibilidade e sentido cívico, o belíssimo texto que publico abaixo. Nada melhor para desfecho deste caso que nunca deveria ter existido.



A vitória dos rebeldes* 
por Iva Delgado


A sala do tribunal apinhada, os olhares que antes de se trocarem já se tocaram, o aperto no cotovelo, o beijo rápido, o sorriso escondido, o "vamos lá ver" sussurrado, a sensação de momento histórico, a presença inequívoca dos media, tudo isto se viveu no dia 22 de Julho de 2011, dia de leitura da sentença do caso " A Filha Rebelde".

A autora, serena e calma, era a imagem do equívoco gerado por este processo. A Margarida Fonseca Santos não cabe no papel de arguida, nem no de vítima, tampouco no de difamadora seja de quem for. Ela é a generosidade de alma, a criadora. Se alguma coisa se lhe pode atribuir de excessivo é a grandeza com que gere a sua arte, sem artifícios, genuinamente humana, centrada numa sensibilidade cândida.

A leitura da sentença durou uma eternidade, apesar da rapidez profissional do juiz. O esforço para captar o sentido das palavras, passada a floresta do emaranhado burocrático, a barreira das fórmulas processuais, o som não projectado da voz do juiz, o sorriso estéril da acusação não contribuíam para certezas prévias.

A meio da pilha de folhas lá se ia percebendo que a honra de uma pessoa só pode ser objecto de atentado se a pessoa for viva. Que a memória de alguém já falecido também tem questões normativas, que há prazos, limites, regras de jogo. Não é um qualquer familiar que por dá cá aquela palha se sente subitamente ofendido por palavras escritas em contexto ficcional, sobre um parente morto que é figura histórica. Tudo isso ia perpassando pelo que captámos da leitura do juiz. E muito mais, que quando um caso deixa dúvidas está em aberto para interpretações múltiplas, desde do ponto de vista histórico ao ficcional, passando pelo ensaístico, jornalístico e outros, que não se esgota no plano jurídico.

Uma frase, perfeitamente articulada, fixou-se como uma legenda iluminada: " A criação não é um risco, é um direito".

Nesse momento a Margarida estava ali, não porque escrevera uma peça sobre a filha do último director da PIDE, ofensiva para a memória e bom nome deste (dando a entender que fora o mandante do assassinato de Humberto Delgado) mas sim porque exercera o seu direito de expressar-se livremente através da ficção sobre uma figura histórica. Estas não pertencem aos seus familiares, nem são património exclusivo de ninguém. O juiz assim deliberou, assim absolveu, assim se retomou a rota democrática que cabe à justiça defender. Os cravos vermelhos trazidos por alguém foram uma efusiva confirmação da força do 25 de Abril que derrotou os Silva Pais deste país.


Lisboa, em 22.07.2011

*texto originalmente publicado no «GRUPO - Solidariedade com os réus do processo crime "A Filha Rebelde"» no Facebook. 


JC

1 comentário:

Geração Indignados disse...

Pois eu acho que Abil está moribundo