quarta-feira, junho 28, 2006

Do que um Homem é capaz



Jose Mário Branco





DO QUE UM HOMEM É CAPAZ
AS COISAS QUE ELE FAZ
PARA CHEGAR AONDE QUER

É CAPAZ DE DAR A VIDA
PARA LEVAR DE VENCIDA
UMA RAZÃO DE VIVER

A VIDA É COMO UMA ESTRADA
QUE VAI SENDO TRAÇADA
SEM NUNCA ARREPIAR CAMINHO

E QUEM PENSA ESTAR PARADO
VAI NO SENTIDO ERRADO
A CAMINHAR SOZINHO

VEJO GENTE CUJA VIDA
VAI SENDO CONSUMIDA
POR MIRAGENS DE PODER

AGARRADOS A ALGUNS OSSOS
NO MEIO DOS DESTROÇOS
DO QUE NUNCA HÃO-DE FAZER

VÃO POLUINDO O PERCURSO
COM AS SOBRAS DO DISCURSO
QUE LHES SERVIU PARA ABRIR CAMINHO

À CUSTA DAS NOSSAS UTOPIAS
USURPAM REGALIAS
PARA CONSUMIR SÓZINHO

COM POLITICAS CONCRETAS
IMPÕEM ESSAS METAS
QUE NOS ENTRAM CASA DENTRO

COMO A TRILATERAL
COMO A TRETA LIBERAL
E AS VIRTUDES DO CENTRO

NO LUGAR DA CONSCIÊNCIA
A LEI DA CONCORRÊNCIA
PISANDO TUDO PELO CAMINHO

PARA CASTRAR A JUVENTUDE
MASCARAM DE VIRTUDE
O QUERER VENCER SÓZINHO

FICAM CINICOS, BRUTAIS
DESCENDO CADA VEZ MAIS
PARA SUBIR CADA VEZ MENOS

QUANTO MAIS O MAL SE EXPANDE
MAIS ACHAM QUE SER GRANDE
É LIXAR OS MAIS PEQUENOS

QUEM ESCOLHE SER ASSIM,
QUANDO CHEGAR AO FIM
VAI VER QUE ERROU O SEU CAMINHO

QUANDO A VIDA É HIPOTECADA
NO FIM NÃO SOBRA NADA
E ACABA-SE SOZINHO

MESMO SENDO OS PODEROSOS
TÃO FRACOS E GULOSOS
QUE PRECISAM DO PODER

MESMO HAVENDO TANTA GENTE
PARA QUEM É INDIFERENTE
PASSAR A VIDA A MORRER

HÁ PRINCIPIOS E VALORES
HÁ SONHOS E HÁ AMORES
QUE SEMPRE IRÃO ABRIR CAMINHO

E QUEM VIVER ABRAÇADO
À VIDA QUE HÁ AO LADO
NÃO VAI MORRER SOZINHO

José Mário Branco, in Resistir é Vencer, 2004

segunda-feira, junho 26, 2006

Os Telhados de Lisboa





Lisboa vista do Castelo



Os Telhados de Lisboa
por Norberto de Araújo


Os cenários da cidade, tomados do alto, poder-se-iam chamar os telhados de Lisboa.

Há os miradouros de panorama extensivo, que abarcam todas as distâncias. E há os miradouros suspensos sobre a cobertura confusa do casario: só se distinguem empenas, mansardas, telhados, campanários pequeninos, a ramagem tímida de um quintal.

E tudo se amalgama na intimidade dos planos. Perdem-se as linhas do trânsito, os portais fidalgos, as belas varandas de renda, as bocas sombrias dos casebres.

Destes cenários desgrenhados a poesia ascende, sem ritmo, num pitoresco desconcertante de acaso.

Põe-se de poleiro o galo alfacinha!

Do alto suspenso do Carmo ou das lombas de S Cristovão, de S Pedro de Alcântara ou do Monte de S. Gens, Lisboa parece um castelo de cartas, numa das quais há sempre uma nesga do Castelo. Lisboa é, assim, uma estampa aberta em xilogravura, traço aqui, traço ali, sem nenhum «talhe de foice». Mas nem bárbara nem atropelada. Nem monótona nem hostil.

Ao pé de Santa Luzia aninha-se a Alfama - com os telhados em pérgula contínua: aqui um fragmento de água-forte, além um pedaço de aguarela. Deste cenário alfamista, cinzento, salpicado de rosa e verde-ervilha, ascende a frontaria branca de Santo Estêvão, como que a abençoar aquela mediania urbanista, delirante de labirintos.

Nada mais estranho e mais deslumbrante do que os planos sobrepostos e indecifráveis de Lisboa. Não há que ver: há que sonhar. Por muito que se saiba de bairros, e de ruas, e de palácios, e de eirados - tudo quanto se sabe por adivinhação. As definições pairam como um mistério ondulante, tostado pelo sol das idades.

À tardinha o ocaso esbrasa numa vidraça: será a minha casa que está a arder?
À noite uma luzinha tremula numa janela: será o meu amor que está a costurar?
De madrugada a alva espreguiça-se e levanta-se num telhado: será o sol que ali dormiu esta noite?



Norberto de Araújo, in Legendas de Lisboa, pp.212-213

quinta-feira, junho 15, 2006

Os poetas nunca morrem



Eugenio de Andrade (1923-2005) 






O Comum da Terra
(a Vasco Gonçalves)

Nesses dias era sílaba a sílaba que chegavas.
Quem conheça o sul e a sua transparência
também sabe que no verão pelas veredas
da cal a crispação da sombra caminha devagar.
De tanta palavra que disseste algumas
se perdiam, outras duram ainda, são lume
breve arado ceia de pobre roupa remendada.
Habitavas a terra, o comum da terra, e a paixão
era morada e instrumento de alegria.
Esse eras tu: inclinação da água. Na margem
vento areias mastros lábios, tudo ardia.

14 de Maio de 1976

Eugénio de Andrade



Obrigada, Vasco Gonçalves

 
Vasco Gonçalves (1922-2005) - Foto de Eduardo Gageiro



Morreste há um ano (11 Junho).
Recordo-te como o homem mais sério que
governou Portugal.
Aquele que falava a nossa linguagem
Aquele que nos devolveu
- a capacidade de sonhar.
- a capacidade de transformar.
- a capacidade de acreditar.
- a capacidade de viver.

Obrigada, Vasco Gonçalves !


julia coutinho



terça-feira, junho 13, 2006

Até Sempre, Álvaro Cunhal



Há um ano desaparecia Álvaro Cunhal. Um Homem e um Político excepcionais.

Assinalando este dia, deixo-vos uma carta, inédita, que descobri nos arquivos da PIDE/DGS, escrita para sua irmã, Maria Eugénia, em 1966, aquando das mortes do cunhado, o médico Fernando Medina, e do pai, o advogado Avelino Cunhal.

Apreendida pela Pide, a carta nunca chegaria ao destino. Ela revela-nos um homem amargurado e preocupado com a irmã e os sobrinhos e com a mãe, cega. Com a sua família. Que adorava.

Uma faceta praticamente desconhecida de Alvaro Cunhal. Mas que existia. E aqui se revela.

Júlia Coutinho


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«Moscovo, 1 de Março de 1966*

Minha muito querida irmã:

Terríveis notícias me chegaram nos últimos tempos: o suicídio do Fernando, a Morte do Pai. Que te posso dizer das lágrimas que chorei e choro, e de todas as razões delas, e das mil inquietações para que não tenho resposta? Por via indirecta, recebi as duas notícias. Secas, sem qualquer referência a mais. Nada mais sei, a não ser o que suponho.

A grande distância, o não ter visto mais o Pai, o não ter podido dizer-lhe um último adeus e uma última palavra, são dores irreparáveis. Sofreste mais de perto, querida irmã, mas não isto. E o que ele terá sofrido. Esforçado e paciente decerto, mas decerto também inconformado e profundamente triste. Perdemos a pessoa que mais nos amava, que melhor nos compreendia e a quem devemos elevadas lições de honestidade e isenção pessoal. Por isso não perdemos tudo. Apenas lamento, se ele o não sabia.

Chorando os mortos, penso nos vivos, querida, muito querida irmã. Penso em ti, na mãe cega, nos teus filhos, na vossa situação. Que posso eu fazer por vós? Eu sei (e é necessário que tu saibas também) que algo posso fazer. Continuo a ser o teu irmão infinitamento amigo, o teu irmão de sempre. Conta comigo, querida irmã.

À nossa pobre mãe, diz que vos escrevi algumas linhas, que sofro por não vos ter dado o muito que gostaria de dar-vos e que por isso me perdõem, se é coisa de perdoar. Diz-lhe mais, atribuindo-me a mim, todas aquelas palavras que entendas que a podem auxiliar. Do coração to agradeço, a ti a quem coube o leme de tão amargas situações.

Neste momento, quero dizer-te alguma coisa mais: olha para o futuro! Não descreias da vida e da alegria! Tem forças para recomeçar, se de recomeçar se trata!

Peço-te, querida irmã, que procures escrever-me algumas palavras, se não do que se passou (por te ser demasiado penoso) ao menos do que se passa. Eu não sei se esta carta te chegará às mãos, dada a pessoa que a escreve, dado o país de onde vai e dado que nem certo estou dos endereços para onde a envio (que em tempos me disseram ser o teu e o do Pai). Tenho porém uma certa esperança em que a venhas a receber. E, se a receberes, tenta escrever-me. A direcção é simples:


URSS - Moscovo 132
Hotel
Álvaro Cunhal

É o bastante e, tratando-se como se trata, de questões familiares e questões desta natureza, pode ser que a tua carta me chegue.

Querida, muito querida irmã: um grande, grande abraço, aquele que gostaria de poder dar-te neste momento de profunda tristeza.

Repito ainda: não desanimes, olha em frente, olha para a vida e confia.

Com a imensa ternura do teu irmão

Álvaro»


*Arquivos da PIDE/DGS - ANTT, processo E/GT 2673 - NT 1479, doc. 4.



segunda-feira, junho 05, 2006

VOZ DO SILÊNCIO - PRISÕES POLITICAS PORTUGUESAS

EXPOSIÇÃO DE FOTOGRAFIA

"VOZ DO SILÊNCIO - PRISÕES POLITICAS PORTUGUESAS"

de PEDRO MEDEIROS

Na Associação 25 de Abril
R da Misericórdia, 95 - Lisboa

Entre 2 e 30 de Junho de 2006
de 3ªfeira a Sábado, das 12 às 23 horas, e 2ª feira das 12 às 20 horas.
Encerra ao Domingo.




"Constituir um itinerário da repressão, assinalando o percurso negro da ditadura fascista, é um passo vital para a compreensão da história recente do nosso país.

A resistência dos Presos Políticos Portugueses, o seu contributo decisivo para a criação de uma sociedade livre, é acima de tudo um exemplo humano de convicção e entrega absolutas. O esquecimento ou tentativa de branquear esta determinação e luta é, por um lado, a completa adulteração do sentido da história, por outro, um enorme entrave à procura dos nossos ideais e convicções.

Sendo a fotografia construção de memória, o exercício desta escrita e a necessidade de alcance de um espaço de reflexão e de identificação colectiva são vectores essenciais do campo de acção deste trabalho.

Este é um projecto dedicado a todos os que sofreram a brutal e injusta privação da liberdade, aos que sobreviveram e à memória dos que faleceram no cárcere. Aos Presos Políticos Portugueses, às suas famílias e amigos, a todos os que os apoiaram na sua luta, ao trabalho desenvolvido pela
Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos."

Pedro Medeiros

quinta-feira, junho 01, 2006

Dia Mundial da Criança


Assinalando o Dia Mundial da Criança, deixo aqui a mensagem da FERLAP - Federação Regional de Lisboa das Associações de Pais, que subscrevo inteiramente.

"Aproveitemos o dia para acompanhar e mimar os nossos pequenos, sem esquecer que educar é autonomizar. Ajudá-los a crescer integralmente e a tornarem-se Mulheres e Homens do Futuro. Autónomos, Conscientes e Solidários." (Antonio Castela)





Clique na imagem para ler o poema