quinta-feira, dezembro 31, 2009

Helena Pato: O primeiro Réveillon no exílio



O meu primeiro réveillon triste

A década de 60 mal começara e, em Paris, eram ainda poucos os exilados políticos – uma dezena, se tanto.

Eu e o Alfredo Noales tínhamos acabado de chegar e o Inverno deixava-nos infelizes, de ossos tão gelados quanto a alma, porque as nossas roupas não eram adequadas ao frio daquelas temperaturas negativas. Entrámos no “Café du Luxembourg”, sacudimos a neve dos casacos, consolados pelo quentinho do interior, e abraçámos os amigos com quem íamos jantar. Uma ceia simples de fim de ano. As vidraças do café – pintadas com dizeres da época, palavras muito coloridas, sinos e azevinho – lembravam-nos que agora os natais e as festas Bonnes Fêtes! iriam ser assim, em francês. Comovíamo-nos e disfarçávamos. Todos. Era melhor que me fosse habituando: de futuro, a nossa família no dia-a-dia seriam aquelas pessoas que estavam ali – a Maria Padez e o Jacques Kotzky, o António José Saraiva e a Maria Lamas. A Stella e o Fernando Piteira Santos ficavam pouco tempo, estavam de passagem, a caminho de Argel. O Lopes Cardoso e a Fernanda também não ficariam em Paris. Companheiros da luta anti-fascista em Portugal, cuja idade rondava os quarenta, cinquenta anos, pareciam-me, no entanto, gente idosa (Espantoso!)…

Estávamos todos muito aperaltados, fiéis à solenidade da noite – nós, mulheres, elegantes mas simples, eles de fato e gravata – e conversávamos sérios (ou tristes) acerca de acontecimentos negros do mundo. Nos meus vinte e poucos anos, quase criança, eu chorava para dentro – de saudades. Só António José Saraiva tinha um aspecto leve – estava de camisola, palrava contente, parecendo já adaptado ao exílio. Fazia anos nesse dia 31, eu tinha-lhe oferecido um cachecol amarelo e ele agradecia-mo com uma narrativa colorida, marcante, que desembocara na “Comuna de Paris”. Como depois, no futuro, ensinava-me História sem o saber, ou sem parecer que o fazia. Hoje, é a Serge Reggiani que roubo as palavras com que o recordo nesse jantar.

“Et voilà qu´il fit un rude hiver / Cent congestions en fait-divers / Volets clos, on claquait des dents / même dans les beaux arrondissements / Et personne n´osait plus, le soir, / affronter la neige des boulevards! /
Alors…
Cent loups
Ouh! Ouh! Ouh!
Cent loups sont entrés dans Paris…”


Falávamos agora de França, para não falarmos de Portugal nessa noite.
Na minha frente, o Alfredo não me perdia de vista, companheiro protector, amante. E eu devolvia-lhe os olhares, feliz por instantes. Como nos versos da canção de Juliette Greco:

“ J´arrive, j´arrive /Mais qu´est-ce que j´aurais bien aimé / encore une fois remplir d´étoiles un corps qui tremble et tomber morte/ brulé d´amour, le coeur en cendres / J´arrive, j´arrive”.

O exílio começava ali.

Helena Pato
Dez.2009




Notas Biográficas:

Helena Pato e Alfredo Noales conheceram-se na Faculdade de Ciências de Lisboa, onde ambos estudavam, no final dos anos 50. Casaram em 1960. Noales, então jornalista da República, foi obrigado a fugir em Outubro de 62, na sequência das prisões que ocorreram após as greves estudantis e o 1º de Maio de 62. Helena juntou-se-lhe mais tarde.
Noales adoeceu com cancro, em 1964, e só foi autorizado pela PIDE a regressar «quando os médicos que o tratavam declarassem por escrito que tinha apenas um mês de vida». Assim foi: chegaram a 3 de Novembro de 65, a PIDE estava à espera dele no aeroporto, foi buscá-lo às escadas do avião e levou-o para interrogatório em cadeira de rodas. Sem qualquer respeito. Morreu a 2 de Dezembro de 65. Helena prosseguiu na luta clandestina até à Revolução de Abril e conheceu os calabouços da PIDE. Professora de Matemática, muito a ela se deve a fundação do Sindicato dos Professores, bem como o MDM - Movimento Democrático de Mulheres, uma velha ambição de Maria Lamas com quem conviveu no exílio.

Helena Pato recordou tudo isto em «Saudações, Flausinas, Moedas e Simones», um livro editado pela Campo das Letras, em 2006.
Estas e outras histórias da luta e da resistência antifascistas têm sido por si testemunhadas no blog
Caminhos da Memória. 
Aqui fica a minha homenagem.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Fim de Ano na BARRACA

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ESPECTÁCULO DE FIM DE ANO

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quarta-feira, dezembro 23, 2009

Cronica de Natal e Presepio em 2009


Crónica de Natal e Presépio em 2009


quem sabe o que é o Natal?
dos anjos? dos passarinhos? dos sinos? dos azevinhos?
ou de um et coetera e tal
que vem por bem ou por mal em festa do eterno início?

desse início-recomeço festa ao rés do precipício
das passadas que não meço nem se me dá de ser vício
mas que não seja só prendas
daquelas com que pretendas dar sustento ao artifício

eu gosto dela quentinho
com boa mesa – bom vinho – amizades e carinho
e ter no fundo a certeza de que o universo todo
no desconcerto é certinho

muito lamento entretanto que o Homem-do-saco
o tal
sendeiro – bruxo – macaco
que me atormentava tanto em pequeno – vejam lá
ao crescer é o Pai Natal
hipotecando-me em prendas o dia que lá virá

no presépio o burro afoito de tanto correr no emprego
está com as pernas num oito
arfando desassossego

e sorte tem ele
vereis
pois que a ovelha – coitada – sem emprego nem dez reis
deixou no prego os aneis p’ra dar aos filhos consoada
depois de tanto mungida
depois de tão tosquiada

talvez com usurpação
de nome que se daria ao cordeiro do Senhor
um dos tais filhos da dita
que no meio da desdita lá chegou a ser doutor
com Bolonha de permeio
bacharel – licenciado – pós-graduado – mestrado
é hoje uma mais-valia por elevada função
de caixa em supermercado

a vaca palhas rumina e teme a avaliação
que penalize auto-estima
ou que lhe apouque a pensão

mais ao fundo os três reis magos
aos camelos dão afagos aprestando-se à viagem
pois os camelos – coitados – com dois dedos de forragem
cobrem caminhos sem fim sem gasóleo nem portagem


São José
Virgem Maria
trocando olhares entendidos da miséria dia-a-dia
em que se encontram perdidos na busca do que não há
pensarão porque se adia a ida pr’ò Canadá
ou para a Austrália quiçá
na ânsia de um novo dia
que lhes traga a alegria de viver que não há cá

já o Menino Jesus
antevendo milagreiro essa desgraça de truz
de vir a morrer na cruz por ser ele o agnus dei
ou só por ser carpinteiro
pensa com as suas palhinhas na play-station brincando
na perdição das alminhas que se deixam ir tentando
compradas por sucateiro que faz das prendinhas lei

brilhante só a estrela
que brilha e brilha e rebrilha como se o mundo fosse ela

aparece na tv essa magna maravilha
dando o corpo aventureiro em fugaz telenovela
consta até que tem prevista
uma carreira de artista e romance com banqueiro
esse nem está neste enredo
tem um consórcio com o medo – outro com a alta finança
vende presépios a eito – compra armamento sem jeito
sempre em favor da criança (tem lá por casa dois netos…)
importa fatos de treino – carros – pessoas – faiança
negoceia sentimentos – dá de barato os afectos
para cumprir o preceito: «venha a nós o vosso reino»
que mais dia menos dia salvará a economia

que fazer? bradar aos céus?
renas por cá? ora adeus
frango capão – bacalhau – polvo – peru do Natal
estes sim são cá dos meus

rabanadas – aletria – se calhar uma filhó
bem regadas de alegria
em memória de uma avó que sem ela eu nem seria

com um abraço aos amigos que hão-de ficar contentes
e um outro aos inimigos mesmo com ranger de dentes
que bem visto é como os figos
mesmo sem flor dão sementes

quanto ao mais – concidadãos
aprendei a dar as mãos contra o que der e vier
que p’lo Natal sois irmãos
e o Natal sempre vem – disse-o um poeta tão bem
quando algum homem quiser.

Boas Festas e Feliz Natal!


Jorge Castro
Dez.2009

Feliz Natal

sábado, dezembro 19, 2009

Feliz Natal


Tempo de Luzes


É um tempo coado
de azevinho.
Com odores de doce

e de memória

O colo da mãe
em desalinho.
A cor da ternura

na demora

É um tempo de luzes
e de linho.
Com sussurros

de cristal e de romã

Lonjura que nos traz
o som de um sino.
Onde o sonho se mistura

com a manhã


Maria Teresa Horta
Natal 2009



PS - obrigada, querida Teresa.

Não esquecemos: 19 Dezembro 1961

Na Morte do Zé

Para quê cantar-te, Amigo, se o meu canto
não pode dar-te a vida, estremecida?
Para quê chorar-te, Amigo, se o meu pranto
é gota de uma dor tão sem medida?

Não choro nem canto. Apenas grito
como uma fera ferida em pleno peito.
Vingança, negro alento e pão maldito,
não são sustento nem leito.

Teu corpo ensanguentado jaz no solo,
a mágoa de perder-te é sem consolo.
E mais não posso, Irmão, que a voz se embarga.
É noite. O tempo é frio. A esperança amarga.


Carlos Aboim Inglez


Nota:
- José Dias Coelho, artista plástico e membro do PCP, foi assassinado pela PIDE no dia 19 de Dezembro de 1961. Carlos Aboim Inglez, seu camarada e amigo, casado com uma irmã do artista (Maria Adelaide), encontrava-se preso, em Peniche. Foi aí que soube da notícia e escreveu este poema, que veio a ser publicado no livro póstumo, Soma Pouca, edições Avante, 2003.
- Retrato da autoria de João Abel Manta, outro amigo íntimo de José Dias Coelho.

quarta-feira, dezembro 16, 2009

Tributo a Zeca Afonso

Jantar/Tertúlia de homenagem a Zeca Afonso, organizada pela Associação Abril.
Dia 18 de Dezembro, 6ª feira, às 20 horas
Eu vou lá estar.

segunda-feira, dezembro 14, 2009

A crise da República e a Ditadura Militar

Da autoria de Luis Bigotte Chorão, será apresentado dia 15 de Dezembro, pelas 18h30,
na Sala do antigo Tribunal Militar de Santa Clara.
Encontramo-nos por lá.

Não se brinca com facas

Primeiro romance do meu amigo José António Barreiros, que será apresentado amanhã,
dia 15 Dezembro, pelas 18H30, no Espaço Chiado, em Lisboa.
Porque conheço a sua escrita, sei que vai ser um êxito.
Merecido.

terça-feira, dezembro 08, 2009

Agenda Feminista 2010


A Agenda Feminista 2010, As Mulheres e a República, será lançada amanhã, dia 9 de Dezembro, pelas 17h, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa (Paços do Concelho).
Eu vou lá estar.

segunda-feira, dezembro 07, 2009

Ary dos Santos faria hoje 72 anos.

Jose Carlos Ary dos Santos (7.12.1937 - 18.1.1984)



Meu Camarada e Amigo

Revejo tudo e redigo
meu camarada e amigo.
Meu irmão suando pão
sem casa mas com razão.
Revejo e redigo
meu camarada e amigo

As canções que trago prenhas
de ternura pelos outros
sem das minhas entranhas
como um rebanho de potros.
Tudo vai roendo a erva
daninha que me entrelaça:
canção não pode ser serva
homem não pode ser caça
e poesia tem de ser
como um cavalo que passa.

É por dentro desta selva
desta raiva deste grito
desta toada que vem
dos pulmões do infinito
que em todos vejo ninguem
revejo tudo e redigo:
Meu camarada e Amigo.

Sei bem das mós que moendo
pouco a pouco trituraram
os ossos que estão doendo
àqueles que não falaram.

Calculo até os moinhos
puxados a ódio e sal
que a par dos monstros marinhos
vão movendo Portugal

- mas um poeta só fala
por sofrimento total!

Por isso calo e saejo
eu que só tenho o que fiz
dando tudo mas à toa:

Amigos no Alentejo
alguns que estão em Paris
muitos que são de Lisboa.
Aonde me não revejo
é que eu sofro o meu país.

José Carlos Ary dos Santos, in «Resumo»

Nota:
este poema foi-me dedicado e lido publicamente no dia dos meus anos, 1 Dezembro, pela minha amiga e ex-camarada do PCP, Carla Patrício.

terça-feira, dezembro 01, 2009

Hoje é o meu dia


AMIZADE

Para a Júlia Coutinho

És a minha amiga
fogo e água

A luta e a ternura
a dar um laço

Cuidando solidária
em nó de afecto

És a minha amiga
força e frágil



Maria Teresa Horta
Nota: Um presente muito especial no dia em que assinalo a passagem do meu 62º anivesário e que me deixou sensibilizadíssima. Obrigada minha querida Teresa.