sexta-feira, julho 04, 2008

Adolfo Casais Monteiro (1908-1972)



Adolfo Casais Monteiro (Porto 1908 - Brasil 1972)



Faria hoje 100 anos. Lembrar-se-ão disso as entidades culturais deste país? Saberão do homem que lutou desde os seus 17 anos contra a ditadura que nos amordaçou meio século? Adolfo Casais Monteiro fez da escrita uma arma no combate pela Liberdade e pela Democracia. Obrigado a exilar-se no Brasil na década de cinquenta, juntou-se às hostes oposicionistas que fizeram do jornal Portugal Democrático, em São Paulo, uma tribuna. Dessa pleiade de cidadãos audazes fizeram parte, entre outros, Vitor Ramos, Augusto Aragão, Carlos Maria Araujo, Fernando Lemos e Jorge de Sena. Destes, apenas Lemos e Sena viram Portugal libertado. Homem de cultura, poeta e fundador da revista Presença, teve no Brasil a carreira académica que aqui lhe foi negada. Foi casado com a escritora Alice Gomes, irmã de Soeiro Pereira Gomes, e tem um filho, João Paulo Monteiro, também ele fugido à repressão salazarista nos anos sessenta. Faleceu a 24 de Julho 1972.
De uma compilação de textos seus, saida em 1974, retiro um que nos fala dos artistas e das artes plásticas portuguesas ao mesmo tempo que denuncia os meandros da representação oficial portuguesa enviada à V Bienal de São Paulo, em 1959.


O SNI e os Artistas Portugueses

O fim da Segunda Guerra Mundial despertou em Portugal muitas esperanças, renovou coragens gastas de tanto bater a cabeça contra as paredes do túmulo do pensamento. Entre outras coisas, levou os artistas a tomar posições de independência que os puseram em franca oposição ao mecenato do Secretariado Nacional de Informação (SNI); até aí, as amizades pessoais de António Ferro, que sempre mantivera boas relações com os artistas, tinham-lhe dado uma vitória que o Estado Novo não alcançara em nenhum outro sector: ele pudera jogar com as suas exposições como uma prova de que pelo menos os artistas aceitavam estender a mão à ditadura. Com efeito, era em número reduzido os que entendiam haver também nas artes plásticas uma frente de batalha -- alegando que as suas opiniões pessoais não lhes proibiam fazer, inclusive, cartazes de propaganda. Um conheci eu que, ao mesmo tempo que os duma exposição anti-comunista do SNI, fizera selos do Socorro Vermelho...

Pois em 1946, graças sobretudo à presença de uma nova geração que não fora das relações de António Ferro ao tempo que este era «um dos do Orpheu», iniciou-se a ofensiva, começando a ser boicotadas as exposições oficiais. E foi feita a «I Exposição Geral de Artes Plásticas», que precipitou o fim dos «Salões de Arte Moderna» do SNI, e constituiu, ao mesmo tempo que uma afirmação de independência, moralmente falando, sinal de renovação estética.
Desde então reinou a desorientação nas atitudes oficiais, como se pode verificar aqui pelas divergências de critério quanto à participação portuguesa nas Bienais. Quando da primeira, os «mentores» ainda não tinham percebido que se tratava de arte moderna, e ficaram muito escandalizados por terem recusado a entrada a um académico chamado João Reis. Depois perceberam, e oscilaram entre intervir e não. Essa história está feita; vejamos o que sucedeu agora.

Em 1958, Salazar, logo em seguida à evidente derrota sofrida nas eleições, fez um apelo à juventude, e o SNI «descobriu» então os novos artistas portugueses, convidando-os para uma exposição colectiva em S. Francisco da Califórnia, acenando-lhes com uma exposição em Madrid, com um salão dos «Novíssimos» e... serem levados à Bienal. E, capciosamente, quis fingir-se de fora, para o que convidou dois dos mais considerados críticos de arte para «colaborarem» na organização ou no júri dessas manifestações. Mas o negócio saiu-lhes furado: não só os críticos independentes em questão recusaram dar-lhe a sua colaboração, como o fizeram também 28 dos artistas convidados. Correndo atrás de outros, para que a «fachada» não ficasse muito nua, sofreu mais recusas, e o resultado aí está: da representação portuguesa na V Bienal, somente dois artistas, Júlio Resende e Fernando Lanhas, estão à altura duma representação nacional. O resto é para encher. Valha-nos a presença de Amadeo de Sousa-Cardoso, o qual, tendo morrido em 1918, está, evidentemente, à margem da questão...

Não estão pois na Bienal, salvo as duas excepções que acabo de referir, os mais representativos valores da arte portuguesa contemporânea. Faltam lá Vespeira, Fernando Azevedo, Júlio Pomar, José Júlio, Joaquim Rodrigo, Albertina Mântua, António Charrua, Nikias Skapinakis, Sá Nogueira, Calvet da Costa, Querubim Lapa, Gonçalo Duarte, Menez Ribeiro da Fonseca, Santiago Areal, João Abel Manta, Bartolomeu Cid e Alice Jorge. E estes, com muitos outros, num total de cinquenta, constituíram o Salão dos Independentes, aberto em Junho, o qual, segundo as mais fidedignas informações, revelou um conjunto mito superior ao apresentado no tal Salão dos Novíssimos do SNI. Assim o reconheceu a crítica responsável, enquanto a assalariada os atacava, ou lhes fazia as acusações torpes do costume. Assim ficou novamente clara a separação da arte oficial e da arte independente, passando os representantes daquela a ser justificadamente conhecidos como os Dependentes... E destes saiu, logicamente, a representação oficial ora exposta na Bienal.

Como essa gente é vingativa, não admira que, ao mesmo tempo, a polícia tenha intervindo junto do Instituto para a Alta Cultura a fim de que fosse impedida a organização duma exposição de arte abstracta que a convite da Universidade de Santiago de Compostela, devia realizar-se naquela cidade da Galiza Pois não é lógico? – a maioria dos pintores que desta fariam parte era dos Independentes... Fica assim avisado o respeitável público de que, à sombra do grande e malogrado Amadeo de Sousa-Cardoso, não é uma representação da arte portuguesa que se acha na Bienal, mas uma representação do Secretariado Nacional da Informação. E não é mau saber-se que Nuno Siqueira, René Bértholo, Lourdes Castro, Eduardo Luís e António Quadros (ai, será o nosso Quadros do «independente» baluarte da «filosofia portuguesa», por nome «51»? Querem ver que é mesmo?!) foram os signatários de um manifesto em que se fazia a propaganda das realizações do SNI, manifesto distribuído em Lisboa pelos cuidados de um crítico assalariado do mesmo, pois os ditos artistas estavam em Paris, gozando merecidas bolsas. Ofensivo para os seus colegas Independentes, além de comprometer falsamente outros camaradas seus, o manifesto foi condenado por uma declaração assinada por uns 30 artistas.

Quer dizer que, em vez de reconhecer como única solução a que fora adoptada para a anterior Bienal (em relação à qual o SNI se limitara a trazer para cá os trabalhos escolhidos sem a menor intervenção oficial), voltamos à ditadura nas artes plásticas. Será burrice? Será apenas gosto pela prepotência? Seja o que for, mostra o perigo destas representações deixadas ao arbítrio de governos fascistas. É muito provável que, dos Independentes, muitos não tenham reagido sequer por motivos políticos, mas por recusarem ao SNI autoridade moral e estética que lhe desse o direito de escolher uma representação nacional da arte portuguesa. O pobre do Estado Novo não pretende já ter uma estética própria, como quando um ministro da Educação ao ver o catálogo da representação a não sei qual das Bienais, bradava, arrepelando-se todo, que «aquilo» nunca mais se repetiria. «Aquilo» era a arte moderna... Regenerado sob esse ponto de vista, não se decide o Estado Novo a deixar de meter o nariz, e depois a pata, em assuntos de arte, para mostrar a sua autoridade ... moral. Resignou-se a não ser bota de elástico, mas faz questão de ser policial.

A propósito: o autor destas linhas acaba de saber que está proibida a publicação de artigos seus em Portugal – tratem eles do que tratarem. É o que se prova pelas informações que me chegam, não deixam margem a dúvidas. O ódio ao «nome» é um princípio comum aos fascismos peninsulares. Ainda me lembro de que uma das primeiras «medidas» tomadas pelo Franquismo foi... barrar a tinta preta o nome dos eruditos não-fascistas que prefaciavam os volumes da famosa colecção erudita «Clássicos Castellanos». O prefácio, as notas, etc. lá estavam -- mas desaparecia o nome. Boa ideia: vou ser autor anónimo, em Portugal, ou pseudónimo! Pois se o mal está apenas no nome!

Adolfo Casais Monteiro

Nota: texto publicado no jornal Portugal Democrático, em São Paulo, Brasil, e reunido no livro O País do Absurdo, textos políticos, edição Republica, Lisboa, Dez.1974.



2 comentários:

João Videira Santos disse...

Num país de esquecidos para trás, no anonimato, ficam alguns dos melhores de nós. Ficam e é imperdoável!

Paulo F disse...

http://talvezfiqueporver.blogspot.com/2008/06/264.html

http://talvezfiqueporver.blogspot.com/2007/10/145.html

Gosto de Adolfo Casais Monteiro.
;)
pf