sábado, julho 19, 2008

Eduardo Lourenço, o que não quis ser exilado



Eduardo Lourenço (n. 1923)

Antes de mais quero dizer que sou admiradora de Eduardo Lourenço e gosto especialmente de dois livros "Sentido e Forma da Poesia Neo-Realista" e "O Labirinto da Saudade" que sempre recomendo a quem queira reflectir nessa coisa do sentir e ser português. O livro foi lançado em 1978 e desde então tem sido uma espécie de manual para os seres que se interrogam e procuram signos identitários. No entanto, em entrevista recente, Eduardo Lourenço confessa ter escrito o livro vinte anos antes, em 1958, quando se encontrava no Brasil, tendo subjacente a problemática africana e a colonização, temáticas que então se desenhavam para todos os povos colonizadores e que para os portugueses desembocariam na Guerra do Ultramar que durou de 1961 a Abril de 1974.

Fiquei admirada. - Então O Labirinto da Saudade não é contemporâneo da primeira edição? Então o professor fazia análises destas nos finais de cinquenta e nunca as publicou? Nunca as deu a conhecer? Nem sequer fora de Portugal? Teria sido uma excelente ajuda para os que aqui e no estrangeiro continuavam a bater-se pela Democracia no país.

Diz o professor: «nessa altura, eu não podia publicar aquele tipo de reflexão sem abdicar de vir a Portugal. E eu disso nunca abdiquei. Não era um militante por conta própria ou por conta de algum partido. Não tinha nenhuma espécie de importância política que me colocasse nesse papel. Era a título puramente privado que eu fazia essas reflexões. (...) E naquela altura ninguém tinha ideia que dali a uns anos o regime pudesse terminar.»

Também no Brasil, onde deu aulas na Universidade Federal da Bahia, Lourenço conviveu com um núcleo de portugueses exilados políticos e, a pedido de Miguel Rodrigues escreveu dois artigos, um deles publicado no Portugal Democrático, mas sob pseudónimo. E foi tudo. Bem diferentes foram as atitudes de Jorge de Sena ou Adolfo Casais Monteiro ou Joaquim Barradas de Carvalho ou Maria Antónia Fiadeiro e outros que sempre colaboraram de cara descoberta com o Portugal Democrático, jornal fundado em 1956, em São Paulo, por Vitor Ramos.

Talvez seja demasiado simplista esta minha análise, mas a verdade é que o professor preferia não publicar, não dar a conhecer o que pensava e reflectia só para não afrontar a ditadura. E, no entanto, ter-nos-iam sido, na altura, de extrema importância as suas reflexões. Como o vieram a ser no pós-25 de Abril, claro. Mas imagine-se a estocada no regime salazarista se O Labirinto da Saudade tivesse sido publicado nos anos 1958/59/60/61 mesmo que em outro país. 

Sentir medo é humano e legítimo. E sempre estarei grata ao professor Eduardo Lourenço por ser o pensador e o grande trabalhador intelectual que ninguém contesta e nos prestigia. Respeito-o imenso mas, confesso, sinto-me defraudada por esta sua postura «anti-oposicionista». Como se de um «herói com pés de barro» se tratasse. Afinal Eduardo Lourenço foi apenas um emigrante que não quis ser exilado. Eu é que estava errada.

Julia Coutinho




1 comentário:

José António Barreiros disse...

Minha querida Júlia,
O problema é a mitificação a que certas pessoas foram sujeitas.
A Igrejas têem esse problema ao canonizarem os seus mártires, os sistemas políticos também, transformando-os, aos vulgares humanos, em santinhos de pau carunchoso e estátuas com pés de barro.
Não conheço do EL a biografia para falar com propriedade. O Vergílio Ferreira, que foi muito querido quando escreveu o «Vagão J» e seviciado pelo Alexandre Pinheiro Torres quando prefaciava o «Rumor Branco» do Almeida Faria, gostava dele. O Mário Soares também mas esse gosta praticamente de todos.
O EL será alguém que do ponto de vista político terá tido as suas hesitações, os seus conformismos, as suas dúvidas. Por ser inteligente deve-lhe ter sido mais difícil ter ideias simples. POr estar fora do país deve-lhe ter sido mais complicado ter informações correctas.
Sejamos, porém, justos, reconduzindo-o à sua dimensão humana.
Todos sabemos os avençados do SNI que hoje ombreiam com causas correctas, sujeitos ao mesmo processo de branqueamento que faz com que hoje o Gunter Grass seja uma outra pessoa que não um oficial das SS.
Na vida não há necessariamente apenas militantes e traidores. Todos, mesmo os timoratos, deram a sua ajuda para a formação da consciência deemocrática.
Saibamos ser fraternos.
«As horas de dor tornam mais funda a amizade entre os homens. O sofrimento comum aproxima e faz pensar numa solução comum. Assim nasce o amor por seres desconhecidos. Qualquer coisa de semelhante ao respeito que uma mãe sente pela angústia de uma outra mãe. Uma mesma aspiração junta homens que se desconhecem. Uma palavra ou um olhar que indique essa identidade de anseio traz aos lábios esta expressão carinhosa: “Eu sou teu irmão!”, “Eu sou teu companheiro!”». Escreveu isto Álvaro Cunhal.