(22.2.1913 - 21.1.1949)
A sua morte ocorreu a 21 de Janeiro de 1949. Em plena campanha eleitoral para as presidenciais com o candidato da oposição Norton de Matos. Por isso passou quase despercebida. A censura impediu que à sua morte se fizesse qualquer referência nas sessões públicas oposicionistas.
António Lopes de Almeida tinha 36 anos, era casado e tinha uma filha de 6 anos. Operário vidreiro, era também músico, e elemento muito considerado na região. Militante do Partido Comunista, era um activo dirigente local e regional. Denunciado, foi preso na Marinha Grande a 16 de Janeiro e entregue à PIDE, em Lisboa, no dia seguinte. Na António Maria Cardoso foi torturado durante dois dias. O então muito jovem Carlos Aboim Inglez cruza-se com ele, por breves momentos, numa sala, antes de serem conduzidos ao Aljube. Fica impressionado. Na sua frente está um homem com a cara «num bolo» de sangue e equimoses, que lhe murmura: «estou há 40 horas a levar pancada». A sua memória jamais apagará o horror daquela imagem, como refere a Miguel Medina (Esboços I).
No dia 21 é, segundo a polícia política, «encontrado morto», por enforcamento, na cadeia do Aljube. O nome do seu verdugo: Fernando Gouveia.PI
Desde logo todo o processo é altamente suspeito. Levam-no para a Morgue e tentam apressar o funeral. Porém, o jornal República do dia 22 torna o caso público ao anunciar ter dado «entrada na Morgue o cadáver de António Lopes de Almeida». Sabe-se hoje, através da viúva do médico Custódio Maldonado Freitas, na altura em serviço em São José, que foi alertado por um funcionário seu conhecido do Instituto de Medicina Legal. A PIDE não detectara, mas um minúsculo bilhete, escrito a sangue, foi encontrado no bolso do pijama, dizendo: «sou António Lopes de Almeida, da Marinha Grande, avisem a minha mulher». A partir daí não mais foi possível silenciar o caso.
A família desloca-se a Lisboa, faz vários requerimentos, mas nunca lhes é permitido verem o cadáver. Na Marinha Grande os operários paralizam e mobilizam-se para lhe fazerem o funeral. No diz 24, pode ler-se: «Como o Republica noticiou ante-ontem, morreu em Lisboa o operário da Marinha Grande, Antonio Lopes de Almeida. Os seus colegas marinhenses resolveram prestar-lhe, neste momento, o seu último tributo de homenagem, fazendo, a seu cargo, o funeral para a Marinha Grande. Em sinal de sentimento, suspenderam o trabalho os operários vidreiros da Fábrica Marquês de Pombal, sendo grande a consternação em toda a população.» (Republica, 24.1.49) Mas a PIDE consegue os seus intentos e realiza o funeral, para o cemitério de Benfica, em Lisboa, a 29 de Janeiro.
Nunca se saberá se António Lopes de Almeida morreu às mãos da PIDE ou se suicidou, por enforcamento, como alegaram. A PIDE afirma que se suicidou, após ter denunciado a organização do PCP de que era dirigente.* No entanto, do seu processo não consta qualquer auto de perguntas que lhe tenha sido levantado, como a própria polícia política (Fernando Gouveia) refere à Policia Judiciária, dada a necessidade de que esta «comprove o suicídio». Pedem que seja apensado o relatório da autópsia e afirmam que não houve quaisquer testemunhas do ocorrido. O processo ficaria encerrado com o aval de José Catela, em 19 de Maio de 49.
É possível que não tenha aguentado as torturas. É possível que, perante isso, tenha optado pelo suicídio. Nem todos são heróis. E nem por isso deixam de ser homens de carácter. Mas também é muito provável que tenham sido outros os denunciantes e, perante o sucedido, tenha sido fácil atribuir culpas a quem já não podia defender-se.**
Maria da Piedade Almeida, a viúva, nunca deixou de fazer esforços para levar o corpo do marido para a Marinha Grande. Numa petição dirigida ao Ministro do Interior, em Abril, dizia:
«É já pela segunda vez que me dirijo por escrito a V.Exa., fazendo esta mesma petição, não só em meu nome, mas também da mãe e irmã, que desta vez não puderam vir, por falta de recursos.
Foi-nos dito então pelo Ministério de V.Exa., e após a primeira petição em papel selado, que já tinha sido deferido e enviado para o Governo Civil, juntando-se ao requerimento que lá se encontrava da agência funerária que tratou do funeral.
Informaram-me nessa altura, no Governo Civil, e a PIDE já nos tinha dito antes também, que seguiria sim, mas só daí por trinta dias.
São vencidos mais de sessenta dias e ainda o corpo nesta cidade se encontra, e como no dia 5 do corrente, nos disseram no Governo Civil, da parte do próprio Governador, que este requerimento estava a despacho no Ministério de V.Exa., fico confusa sem saber que pensar, voltando por isso a rogar-lhe encarecidamente pronta decisão para este caso.
É tão pouco o que peço a V.Exa, e para mim, apesar de triste e desoladora consolação, era grande alívio e um bem íntimo, chorar junto da sua sepultura, sempre que me sentisses sem forças para criar uma filhinha que me deixou com 6 anos.»
Despacho do Ministro A Cancella de Abreu em 7 de Abril de 49: «Não considero ainda oportuna a solicitada transferência, o que deve se comunicar à interessada.»
Desconheço se o corpo de António Lopes de Almeida alguma vez chegou a regressar à sua terra. Talvez depois de Abril, quando a Câmara Municipal atribuiu o seu nome a uma rua da Marinha Grande. ***
Esta morte violenta e injusta raramente é referida e o seu nome não faz parte da habitual galeria dos «heróis da resistência» apresentada pelo seu partido, o PCP. Por isso lhe presto as minhas homenagens, no momento em que passam 60 anos sobre o ocorrido.
Carlos Aboim Inglez, porém, nunca esqueceu o homem com quem se cruzou na sua primeira prisão, em 18 de Janeiro de 1949. Aqui fica o poema que lhe dedicou, inserido no livro póstumo, Soma Pouca.
A António Lopes de Almeida
Caíste por terra amigo na terra negra e dura
das pragas e das lágrimas e do suor não cumprido.
Caíste por terra amigo. E a terra toda abriu-se
como não se abrira ainda aos rogos da tua esperança.
Caíste por terra amigo caíste por terra amigo
E a terra será toda de luto até ao dia claro e largo
Porque lutaste porque viveste porque morreste
Até ao dia
Em que floriremos teu sangue na terra onde caíste.
Julia Coutinho
NOTAS:
Já depois de ter escrito este artigo encontrei nos arquivos da PIDE/DGS o documento interno do PCP- «ALGUMAS NOTAS INFORMATIVAS A RESPEITO DA PROVOCAÇÃO INIMIGA» - sem data mas que tudo leva a crer ser de 1952/53 e que, na sequência da discussão sobre a traição de um outro militante, acaba por lançar luz sobre a nebulosa que sempre pairou acerca da morte de António Lopes de Almeida (ALA) esclarecendo quem foi o denunciante não só de ALA como de toda a organização do concelho da Marinha Grande.
transcrição: «Utilizando mais ou menos o mesmo sistema fez também referências elogiosas, aos Pinantes, Adrianos, Magalhães, um irmão seu, etc, pessoas estas que trairam de maneira miserável a classe operária, o nosso Partido e o povo em geral.
Contra toda a orientação do Partido e não dando conhecimento disso, estabeleceu contacto com o Pinante quando este saíu da prisão e era abertamente sabido da sua traição que entre o mais originou o assassinato de Antonio Lopes de Almeida da Marinha Grande. Não contente com isto ainda foi apresentar por último um bom camarada a Pinante com a finalidade duma ligação regular.»
* - à PIDE interessava salvaguardar o seu informador e o suposto suicídio de ALA foi a forma encontrada para fazer recair sobre este o odioso da denúncia e entrega de toda a organização.
** - segundo este documento do PCP, o denunciante foi o Pinante, alcunha de um camarada com quem o ALA tocava numa troupe - Os Pinantes - e que foi o primeiro da organização local do PCP a ser preso e também o primeiro a ser solto, e de quem a família e amigos próximos sempre desconfiaram mas nunca tiveram provas. A verdade é que, pouco depois, ele e a familia deixaram a Marinha Grande. A PIDE arregimentara mais um informador. O seu nome: Joaquim da Silva Couceiro (1908-1989).
*** - o corpo de ALA voltou à Marinha Grande depois do 25 de Abril, por iniciativa e a expensas da família. A trasladação fez-se do Gavetão 59 do cemitério de Benfica que a PIDE comprara por 50 anos, para o cemitério da Marinha Grande, no dia 13 Março 1979.
Julia Coutinho
Julia Coutinho
NOTAS:
Já depois de ter escrito este artigo encontrei nos arquivos da PIDE/DGS o documento interno do PCP- «ALGUMAS NOTAS INFORMATIVAS A RESPEITO DA PROVOCAÇÃO INIMIGA» - sem data mas que tudo leva a crer ser de 1952/53 e que, na sequência da discussão sobre a traição de um outro militante, acaba por lançar luz sobre a nebulosa que sempre pairou acerca da morte de António Lopes de Almeida (ALA) esclarecendo quem foi o denunciante não só de ALA como de toda a organização do concelho da Marinha Grande.
transcrição: «Utilizando mais ou menos o mesmo sistema fez também referências elogiosas, aos Pinantes, Adrianos, Magalhães, um irmão seu, etc, pessoas estas que trairam de maneira miserável a classe operária, o nosso Partido e o povo em geral.
Contra toda a orientação do Partido e não dando conhecimento disso, estabeleceu contacto com o Pinante quando este saíu da prisão e era abertamente sabido da sua traição que entre o mais originou o assassinato de Antonio Lopes de Almeida da Marinha Grande. Não contente com isto ainda foi apresentar por último um bom camarada a Pinante com a finalidade duma ligação regular.»
* - à PIDE interessava salvaguardar o seu informador e o suposto suicídio de ALA foi a forma encontrada para fazer recair sobre este o odioso da denúncia e entrega de toda a organização.
** - segundo este documento do PCP, o denunciante foi o Pinante, alcunha de um camarada com quem o ALA tocava numa troupe - Os Pinantes - e que foi o primeiro da organização local do PCP a ser preso e também o primeiro a ser solto, e de quem a família e amigos próximos sempre desconfiaram mas nunca tiveram provas. A verdade é que, pouco depois, ele e a familia deixaram a Marinha Grande. A PIDE arregimentara mais um informador. O seu nome: Joaquim da Silva Couceiro (1908-1989).
*** - o corpo de ALA voltou à Marinha Grande depois do 25 de Abril, por iniciativa e a expensas da família. A trasladação fez-se do Gavetão 59 do cemitério de Benfica que a PIDE comprara por 50 anos, para o cemitério da Marinha Grande, no dia 13 Março 1979.
Julia Coutinho
Bibliografia:
- Arq. PIDE/DGS - ANTT - Proc- SC-PC 428/49 - 5007
- Arquivo MAI-GM-GBT-15/1949 -
- Presos Políticos no Regime Fascista V - 1949-1951, Presidência do Conselho de Ministros, Maio 1987
5 comentários:
Gente anónima não merece qualquer resposta.
Muito menos um comunista anónimo.
Como sempre tudo muito bonito por aqui.
Só passei para dar um abraço
No entardecer,
o sol dança com a chuva
e um arco-íris
no horizonte tinge...
Espera a lua surgir
e entre as nuvens
uma estrela luzir.
Depois, a terra sorri
quando na noite escura
o céu clareia...
Um véu de estrelas
abraça a lua cheia...
O poeta fecha os olhos
e sente o poema
correr em suas veias.
A lua deita no mar
e o sol, novamente
beija a areia.
(Sirlei L. Passolongo)
Apesar da triste história, gostei muito. Muito obrigada Júlia por esta homenagem a um grande Homem da Marinha Grande!
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