segunda-feira, junho 26, 2006

Os Telhados de Lisboa





Lisboa vista do Castelo



Os Telhados de Lisboa
por Norberto de Araújo


Os cenários da cidade, tomados do alto, poder-se-iam chamar os telhados de Lisboa.

Há os miradouros de panorama extensivo, que abarcam todas as distâncias. E há os miradouros suspensos sobre a cobertura confusa do casario: só se distinguem empenas, mansardas, telhados, campanários pequeninos, a ramagem tímida de um quintal.

E tudo se amalgama na intimidade dos planos. Perdem-se as linhas do trânsito, os portais fidalgos, as belas varandas de renda, as bocas sombrias dos casebres.

Destes cenários desgrenhados a poesia ascende, sem ritmo, num pitoresco desconcertante de acaso.

Põe-se de poleiro o galo alfacinha!

Do alto suspenso do Carmo ou das lombas de S Cristovão, de S Pedro de Alcântara ou do Monte de S. Gens, Lisboa parece um castelo de cartas, numa das quais há sempre uma nesga do Castelo. Lisboa é, assim, uma estampa aberta em xilogravura, traço aqui, traço ali, sem nenhum «talhe de foice». Mas nem bárbara nem atropelada. Nem monótona nem hostil.

Ao pé de Santa Luzia aninha-se a Alfama - com os telhados em pérgula contínua: aqui um fragmento de água-forte, além um pedaço de aguarela. Deste cenário alfamista, cinzento, salpicado de rosa e verde-ervilha, ascende a frontaria branca de Santo Estêvão, como que a abençoar aquela mediania urbanista, delirante de labirintos.

Nada mais estranho e mais deslumbrante do que os planos sobrepostos e indecifráveis de Lisboa. Não há que ver: há que sonhar. Por muito que se saiba de bairros, e de ruas, e de palácios, e de eirados - tudo quanto se sabe por adivinhação. As definições pairam como um mistério ondulante, tostado pelo sol das idades.

À tardinha o ocaso esbrasa numa vidraça: será a minha casa que está a arder?
À noite uma luzinha tremula numa janela: será o meu amor que está a costurar?
De madrugada a alva espreguiça-se e levanta-se num telhado: será o sol que ali dormiu esta noite?



Norberto de Araújo, in Legendas de Lisboa, pp.212-213

7 comentários:

Anónimo disse...

De uma beleza ímpar este excerto de Norberto de Araújo!
Olha-me só este bocadinho:


Nada mais estranho e mais deslumbrante do que os planos sobrepostos e indecifráveis de Lisboa. Não há que ver: há que sonhar. Por muito que se saiba de bairros, e de ruas, e de palácios, e de eirados - tudo quanto se sabe por adivinhação. As definições pairam como um mistério ondulante, tostado pelo sol das idades.

À tardinha o ocaso esbrasa numa vidraça: será a minha casa que está a arder?
À noite uma luzinha tremula numa janela: será o meu amor que está a costurar?
De madrugada a alva espreguiça-se e levanta-se num telhado: será o sol que ali dormiu esta noite?


Gostei tanto!

El Navegante disse...

Magía nesa cidade, nese cenário,no poeta que vocé truxo da mao, e mais que nada na donha da issa mao sensivel que deixa ista beleza para se disfrutar.
Muito obrigaod pelas cosas lindas que vc me diz cuanod chega ao barco.
Sempre é bemnvinda.
Beijao

A Sonhadora disse...

Oi Julinha, bom dia amiga...
Gostei mto do jantar de sábado e da vossa companhia em especial.
Já bloguei as fotos...foram as que ficaram melhores...os meus conhecimentos fotográficos...são só estes...eheheh
beijocas da sonhadora

Maria Carvalho disse...

Linda visão! Beijos, Júlia.

wind disse...

Bela descrição da Lisboa bairrista:)
beijos

augustoM disse...

Então como foi o regresso a casa?
És mesmo uma rainha de festas.
Um beijo. Augusto

Dad disse...

Foi bom ter-te conhecido. É sempre uma emoção quando se passa do conhecimento virtual ao real.

Obrigada pelo teu comentário cheio de carinho,

Beijinho,