sábado, agosto 08, 2009

In Memoriam de Raul Solnado (1929-2009)





Raul Solnado
1929-2009










Há muito que o sabia doente. Mas a notícia da sua morte, abrupta, teve o impacto de uma pedra em peito nú. O coração débil do Raúl não resistiu a mais uma crise. Parou. Tal como ameaçara muitas vezes. Só que desta vez, para sempre. Foi hoje, às 10H50, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Faria 80 anos em 19 de Outubro.

A sua faceta de actor de cariz popular não mais será esquecida e felizmente que existem inúmeros e variados registos a mantê-lo presente. Por mim recordá-lo-ei sempre no primeiro programa absolutamente inovador da televisão portuguesa, o Zip-Zip, que em 1969 lançou com Fialho Gouveia e Carlos Cruz. Foi uma pedrada no charco da (in)comodidade em que viviamos e, por isso mesmo, terminou em Dezembro desse ano. As emissões/gravações, ao vivo, eram realizadas à segunda-feira, no Teatro Villaret (que Solnado fizera erguer) e lembro-me que o meu grupo, todos na casa dos vinte, tinha uma «mesa reservada» num café do Parque Mayer para não perder pitada. Ainda hoje mantenho um vinil com um apanhado dessas gravações. Uma relíquia. E quem não se lembra do seu papel no filme Dom Roberto, de Ernesto de Sousa, em 1961, ao lado de Glicinia Quartim? E na Balada da Praia dos Cães de Fonseca e Costa? Em teatro vi-o pela última vez no «Magnífico Reitor» de Freitas do Amaral.

Mas de Raul Solnado retenho, sobretudo, a sua postura de cidadão. O seu nome ficará para sempre ligado à Casa do Artista, de que foi um dos principais obreiros. O sonho de uma instituição de apoio à «família artística» vinha de há muito, desde a Primeira República, atravessou gerações e era ciclicamente mencionado por um ou outro artista mais consciencioso, chegando-se a lançar reptos para uma posivel organização e a solicitarem-se apoios públicos através dos jornais. Já nos anos sessenta, Fernando Namora ao receber um prémio, declarou que parte desse pecúlio reverteria para um fundo com vista à construção da futura casa dos artistas. Mas foi Raul Solnado e Armando Cortês que deram consistência a esse velho sonho. Depois de muito labor era inaugurada, em 1999, a Casa do Artista, em Carnide, que alberga toda a família das artes, conferindo-lhe calor e dignidade na recta final da vida. Raúl Solnado era o seu director e ali comparecia diariamente.

Tive o prazer de o conhecer pessoalmente em Abril deste ano quando lhe dirigi o convite para ser um dos primeiros 208 proponentes do Apelo à Convergência de Esquerda para as Eleições na CMLisboa, repto que aceitou de imediato, consciente de que teriamos pela frente um quadro político difícil que só a unidade das forças de esquerda poderia ultrapassar.

Ainda lembro da surpresa e da humildade quando o convidei para a mesa da sessão de lançamento do nosso Manifesto: «mas não tem ninguém melhor que eu... é que existem pessoas com mais peso político ...» e eu a responder-lhe «mas nós queremo-lo a si...» E foi. Chegou sózinho ao Palácio das Galveias, às 18 horas, do dia 13 de Abril de 2009. Participou na mesa e, em resposta aos jornalistas, não se coibiu de afirmar que considerava António Costa um homem honesto e competente para, naturalmente encabeçar uma lista alargada de esquerda à Câmara Municipal de Lisboa. E frisou ainda: «para ser português é preciso ter muita competência».

Deu-nos sempre todo o apoio. Lamentavelmente nunca poude comparecer nas reuniões porque estas se realizaram aos sábados e, precisamente aos sábados, o Raúl dava aulas de teatro na Casa do Artista. Mas telefonava sempre a justificar-se e a informar-se do que ia acontecendo. Acompanhou passo a passo o evoluir do movimento, as conversas que tivemos (e não tivemos) com os diversos partidos políticos, as assinaturas e apoios que iamos recolhendo, as alianças que não conseguiamos. Como fazia questão de dizer, o mais importante foi a dinâmica conseguida pelo movimento no alertar da sociedade civil para a situação que temos pela frente com as próximas eleições autárquicas para Lisboa, e da unidade que precisamos de estabelecer para as vencermos.

Quando em 14 de Julho foi lançado o CLAAC Solnado esteve presente no Martinho da Arcada. Tal como tinha estado na véspera, dia 13, no Jardim de São Pedro de Alcântara, no lançamento público da candidatura. Tive a sorte de ficar a seu lado e dele receber uma dica para telefonar a Simone de Oliveira a quem «ainda não conseguira convencer...» tendo-se regozijado, passados dias, quando lhe transmiti que já tinhamos a Simone connosco.

A última vez que falámos por telefone disse entusiasmado: «a candidatura está muito bem lançada!» É verdade, meu amigo. E no próximo dia 11 de Outubro estarás connosco para celebrar a vitória, que é tua também. Estarás sempre presente.

A toda a família, os meus sentimentos. Para a Leonor, um beijo muito especial.

O corpo estará a partir das 20 horas de hoje, sábado, no Palácio das Galveias. O funeral terá lugar amanhã, domingo, pelas 18 horas, para o cemitério dos Olivais.

E agora «façam o favor de ser felizes!» como diria o Raúl.

7 comentários:

Anónimo disse...

Era muito bom que a homenagem que aqui se presta , não exagerasse o seu apoio a esse , costa , e seus acólitos ... Haja Pudor!

A. Moura Pinto disse...

Gostei da homenagem aqui feita. E era público e notório o apoio de Solnado a António Costa.
Qual o problema em referir isso, se Solnado gostaria de estar cá para festejar a vitória da melhor solução para a sua cidade?
Quanto a pudor... é o que mais falta a cobardes anónimos. Único modo de se armarem em valentes.

ALBERTO HELDER disse...

Raul Solnado esteve presente na apresentação da candidatura de António Costa à presidência da Câmara Municipal de Lisboa.
Tive a feliz oportunidade de contactar com o MESTRE do humorismo português, que muito estimava e admirava.
Sugiro que vejam as imagens recolhidas, em: http://albertohelder.blogspot.com/2009/08/raul-solnado-um-dos-nossos-que-nos.html
e
http://albertohelder.blogspot.com/2009/08/unir-lisboa-apresenta-se.html

Saudações
Alberto Helder

Luís Alves de Fraga disse...

Raúl Solnado foi um cidadão de corpo inteiro e um artista de excepção. Apoiar António Costa quando não há, na prática, outra alternativa para que a esquerda possa vencer a direita é um dever que só a miopia política pode confundir.
O Raúl deixou obra. A nossa saudade vai com ele.

Viriato Teles disse...

Era muito bom que os anónimos tivessem coragem de dar a cara, que foi o que o Raul sempre fez. De entre várias histórias e cumplicidades, lembro-me nesta altura (e a propósito do comentário deste parvo sem nome) do dia em que João Soares perdeu as eleições para a Câmara de Lisboa. Como é costumeiro quando alguém perde umas eleições (sobretudo alguém que parecia ter tudo para ser o vencedor), boa parte dos "apoiantes" da véspera desapareceram como que por magia. E assim, na hora da verdade éramos pouquíssimos os que lá se encontravam para dar um abraço solidário ao João. O Raul foi um dos primeiros a aparecer.
Não vejo, por isso, qual o problema em salientar o facto de Raul Solnado ser (como era) um dos batalhadores pela unidade das esquerdas e um apoiante desde a primeira hora da candidatura de António Costa. E estou tanto mais à vontade para dizer isto quanto é um facto que, por razões que não vêm ao caso, nem sequer subscrevi o manifesto dos meus amigos CLAAC...

João Videira Santos disse...

Quero aqui deixar uma palavrinha de saudade em memória de alguém que todos estimámos e recordaremos.
Foi actor e soube sê-lo, foi cidadão e soube defender o comum de todos nós, bem como daqueles que pugnaram pelos interesses da nossa cidade. Foi fundador da Casa do Artista e lutou abnegadamente para arranjar as primeiras verbas que possibilitassem o arranque da instituição. Como ele, entre outros fui fundador e pertenci às primeiras direcções da instituição e apesar de só mais tarde ele vir a integrar o órgão directivo, a verdade é que acompanhou de perto e esteve sempre presente nas acções para que foi solicitado.
A ele como patrono da ideia e grande impulsionador, a Octávio Clério e a Armando Cortez, os artistas muito ficam a dever com a fundação da Casa do Artista.
Concerteza que em breve o iremos homenagear na casa que tanto foi sua e na qual desde sempre se empenhou.

Júlia Coutinho disse...

Meus amigos,
por principio não respondo a comentários anóninos, até porque não consigo respeitar quem assim procede.
Mas agradeço, muito sensibilizada, as respostas que todos voces souberam dar-lhe.
Obrigada, Viriato, por teres lembrado essa postura do Raúl perante a derrota do João Soares. E obrigada ao João por ter trazido o testemunho de quem está por dentro da realidade da Casa do Artista. É importante não esquecer todos os que contribuiram para que o projecto se concretizasse. Quando se fizer a homenagem, gostaria de saber.
Obrigada Alberto Helder pelas belissimas reportagens, onde fui buscar a foto que aqui publico do dia 13 de Julho passado!
Um abraço imenso para todos!