sexta-feira, dezembro 24, 2010

Na morte da escultora Maria Barreira (1914-2010)

Maria Barreira (1914-2010)


Vítima de insuficiência respiratória, faleceu ontem, dia 23 de Dezembro, no Hospital de Santa Maria, a escultora Maria Barreira, viúva do também escultor Vasco da Conceição, desaparecido em 1992. Fizera há dias 96 anos. O funeral realizou-se hoje, para o cemitério do Bombarral, terra da naturalidade do marido e onde existe um Museu que reúne parte da obra de ambos.




«Desfrutando de um Livro», bronze, 1966

Deixo aqui uma das suas raras entrevistas, em 2005, ao jornal Gazeta das Caldas.




Escultora Maria Barreira em conversa no Museu do Bombarral

Aos 88 anos é com grande simplicidade e humor que a escultora Maria Barreira fala sobre o seu trabalho artístico, a sua ligação ao ensino, ou sobre a arte contemporânea.

Esta artista e o seu marido, o também escultor e bombarralense Vasco Pereira da Conceição, doaram em 1990 o seu espólio ao Museu Municipal do Bombarral que, em sua homenagem, tomou também os seus nomes.

Maria Barreira tentou estudar medicina, mas depressa se apercebeu que o seu destino eram as artes. Ainda menina, recorda que não havia brinquedos e por isso, para se distrair, já desenhava e recortava os seus próprios bonecos. Desistiu então de ser médica e em 1937 ingressou no curso de pintura na Escola de Belas-Artes. Mas logo no primeiro ano, influenciada pelas aulas de modulação, transitou para a escultura. "O meu desenho era mais linear e adaptava-se melhor à escultura e, na verdade, o que eu sempre gostei mais foi de modelar", explicou a autora que casou em 1948 com o escultor bombarralense, Vasco Pereira da Conceição.

Actualmente Maria Barreira dedica-se apenas ao desenho, mas é com grande simplicidade que conta como era o seu método de trabalho, as exposições em que participou, as obras efectuadas em conjunto com o seu marido, entre outras curiosidades como o facto do casal, quando foi viver para Lisboa, ter iniciado o seu trabalho no Atelier da Rua da Alegria, onde trabalhou o pintor caldense José Malhoa que, segundo recorda a escultora, era um óptimo espaço de trabalho, virado a Norte e com zona envidraçada. "Depois tivémos que sair pois foi vendido a um stand de automóveis". O casal passou então a prosseguir o seu trabalho artístico em "barracões" cedidos pela autarquia, que eram sempre provisórios. "Já se sabe que com as Câmaras, primeiro estão os interesses gerais, depois os pessoais e nisto a arte fica sempre de lado".

Em 1951 a escultora diploma-se em Ciências Pedagógicas na Faculdade de Letras de Lisboa. A sua dedicação ao ensino passou pela consciencialização "de que não podia viver só da escultura" e, como tal, foi professora provisória na Escola Marquês de Pombal. Quando se candidatou ao estágio para professora efectiva, o pedido foi-lhe indeferido por causa de pertencer ao MUD (Movimento de Unidade Democrática) e à Associação Feminina Portuguesa para a Paz. Foi pelas mesmas razões que se viu afastada do ensino, nos anos 50 e 60, sendo só readmitida em 1967 quando houve uma certa abertura do regime político da época. Dar aulas "não é algo que se escolha, mas dada a impossibilidade de me manter só com a escultura, comecei a dar aulas de desenho".

Nos anos 50 leccionou também no curso nocturno na Sociedade Nacional de Belas Artes, actividade de que gostava pois apesar das pessoas não terem grandes conhecimentos artísticos "estavam muito interessadas em aprender". Já nos anos 70 conseguiu o estágio para professora efectiva e foi, posteriormente, convidada a fazer parte da experiência pedagógica associada à reforma do ensino de Veiga Simão, na altura ministro da Educação. Diz que foi uma experiência muito rica, "mas também um pouco utópica pois precisava de muito dinheiro para se concretizar". Em 1981 a escultora-professora reformou-se do ensino, mas prosseguiu a sua vida artística.

Permanente elogio à Mulher

Como principal tema das obras de Maria Barreira , destaca-se a figura feminina pois "sempre fui muito defensora da mulher nas várias fases da sua vida". Segundo afirma Ana Margarida Martins no catálogo da autora, "a escolha da mulher como objecto fundamental do seu trabalho plástico é, de alguma forma intencional já que Maria Barreira sempre foi uma defensora convicta dos direitos da Mulher, preocupação aliás que se espelha em tudo o que produziu desde a escultura ao desenho, até à cerâmica e à medalhística, passando pela ilustração".

Nas suas obras surgem mulheres frágeis, alongadas, serenas ou sensuais e, muitas vezes, destaca-se o papel da mãe. Segundo Ana Margarida Martins, as maternidades eram tema recorrente na produção artística dos anos 50 e 60, no entanto, "de forma mais subtil, as maternidades de Maria Barreira podem, além disto, constituir uma forma de materialização de um desejo íntimo não consumado".

Há uma série que dedicou às mulheres da Nazaré e que conta, que quando visitou esta localidade piscatória, ficou muito chocada "com a vida dura das mulheres daquela altura, bem como a forma fechada de ser daquelas pessoas". Por isso, decidiu prestar-lhes homenagem em obras como "Mulher da Nazaré" (1959) "Mulher da Praia" (1965) ou "Três Mulheres na Praia" (1966).

Para José Augusto França, Maria Barreira é considerada uma escultora pertencente à "terceira geração" pela sua frequência fiel das Exposições Gerais de Artes Plásticas, da Sociedade Nacional de Belas Artes, "atendendo ao papel desejado para a actividade escultórica que deveria desempenhar no sentido da sua actualização quer de forma, quer de conceitos". Segundo ainda o seu catálogo, dessa geração fazem parte outros escultores mais jovens como José Aurélio, Helder Batista, João Cutileiro, Manuela Madureira, Lagoa Henriques ou Fernando Fernandes.

Estas exposições da SNBA, que surgiram por oposição à política cultural de então - que tomava forma nas exposições do SNI (Secretariado Nacional de Informação). Realizaram-se entre 1946 e 1956 e Maria Barreira não só expunha as suas obras mas também colaborava na sua concepção e realização.

Em 1958, Maria Barreira parte com Vasco da Conceição, Celestino Alves e João Navarro Hogan, para Paris. Seis meses na capital francesa permitiram-lhe o contacto directo com as artes plásticas e, no ano seguinte, apesar de não ter sido bolseira participa na exposição "Dois pintores dois escultores na SNBA" e também na Biblioteca-Museu de Vila Franca de Xira.

"No barro fica sempre marcada a dedada do escultor"

De entre os vários materiais que trabalhava nas suas esculturas, entre a pedra, os metais e o barro, Maria Barreira destaca este último pois trata-se de "um material muito nobre que fica com a forma original, ou seja, logo em definitivo e nele é possível ver-se a dedada de um escultor". Já na escultura em metal ou pedra, as peças ainda têm que ir à fundição ou ao canteiro e nesses casos "se a fundição for bem feita, a peça já vem mais ou menos enquanto que, no caso, do canteiro é sempre preciso retocar".

Sobre a questão se o casal se influenciava mutuamente, Maria Barreira explica que "há sempre algumas influências, às vezes, trocávamos impressões e chegámos a participar juntos em alguns concursos para esculturas para as ex-colónias". Mas no trabalho individual comenta que tentavam não se influenciar mutuamente.

Maria Barreira refere-se a Maillol, Henri Laurens e Henri Moore como os escultores estrangeiros que mais a inspiraram e, entre autores lusos, mencionou apenas Francisco Franco, cujo trabalho considera "ter interesse". Pela obra dos seus professores "não tinha assim particular admiração" como Leopoldo de Almeida ou Simões de Almeida Sobrinho.

Sobre a escultura contemporânea, afirma que aceita a vertente abstracta e aprecia, sobretudo, as composições de objectos. Pronta a contactar com as novas correntes, não concorda, contudo, com algumas vertentes dos últimos tempos. Por exemplo, aquelas esculturas, que mais não são do que "blocos de pedra disseminados pela terra, sem grande trabalho nem imaginação, não me interessam".

Peças da escultora atraem crianças

Foi durante a "Conversa sobre escultura", realizada em Julho, na Feira do Livro do Bombarral que Maria Barreira soube que as suas peças atraíam os mais novos. Segundo uma professora presente no evento, que faz visitas frequentes ao museu, com os seus pequenos alunos, dos três aos seis anos, contou à escultora que as suas crianças "têm uma grande empatia e sentem necessidade de tocar nas suas obras". Mencionou que, provavelmente, deve-se ao aspecto maternal de muitas das suas peças. Maria Barreira revelou-se surpresa e muito satisfeita de assim ser, até porque "um museu parado não tem qualquer interesse para as pessoas e torna-se num espaço sem grande valor".

Ainda no decorrer desta conferência, ficou estabelecido que a escultora iria ceder alguns dos instrumentos de trabalho dos dois escultores – "muitas outras foram dadas aos meus colegas" – com destino à recriação de um espaço de um mini-atelier, para a mostrar ao público um pouco do ambiente de trabalho dos dois escultores. Dele poderão fazer parte formas de medalhas, os teks de madeira, caveletes e ferramentas. Presente estava o presidente da Câmara, Albuquerque Álvaro, que logo se comprometeu a preparar esta nova área do espaço museológico do Bombarral.

Natacha Narciso
GAZETA DAS CALDAS, 2005

3 comentários:

DAD disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Interessante artigo de Natacha Narciso, que não conhecia, sobre a Escultora Maria Barreira.
Se alguém estiver interessado, há um novo site sobre a vida e obra de Maria barreira e Vasco da Conveição em http://vlapy.no.comunidades.net/index.php

Anónimo disse...

Estou interessada mas não consigo aceder ao novo site acima descrito
Carla_marinhas@hotmail.com
Obrigada