quarta-feira, maio 21, 2008

Bartolomeu Cid dos Santos (1931-2008)

Faleceu hoje. Em Londres, cidade onde viveu a partir de 1961, convidado que foi para ensinar na Slade School of Fine Arts, precisamente onde antes (1956-58) se especializara em Gravura com Anthony Gross.
Tive o privilégio de conhecê-lo em 2001 por intermédio de Sá Nogueira tendo-me recebido algumas vezes no atelier da casa que tinha na zona histórica de Sintra. Um atelier repleto de obras de arte e livros e com gavetas atulhadas de gravuras, esquissos e fotografias, sempre com música clássica por fundo, e onde me foi dizendo do tempo de estudante da Escola de Belas Artes de Lisboa, nos inicios de cinquenta, dos colegas e amigos e das lutas que empreenderam pela dignificação do ensino e pela legalização da Associação de Estudantes. Do MUD Juvenil e das reuniões e convívios que promoveu no enorme casarão onde residia, na António Augusto de Aguiar, na ausência dos pais. Das lutas politicas aquando da reunião da NATO em Lisboa, em 1952, e como na sequência disso foi instaurado um inquérito a 81 alunos da ESBAL, onde se incluía, terminando com a expulsão de alguns deles. Das gravuras que criavam para venda e angariação de fundos. Dos bailes e convívios culturais na SNBA com o mesmo fim. De como se discutia arte e política e se odiava Salazar. Das tertúlias que se fomentavam nos cafés com destaque para o Café Chiado onde as Belas-Artes assentava arraiais. Dos espectáculos vistos do galinheiro do São Carlos. Dos bailados da Margarida de Abreu. Do Coro do Lopes Graça, da Sonata e dos recitais de poesia na Academia dos Amadores de Música e na SNBA. Das Gerais de Artes Plásticas, na SNBA. De como a velha Casa dos Artistas passou a ser o ponto de encontro para todos os artistas oposicionistas. E também de como se abrigavam clandestinos e se fomentavam cadeias de apoios vários naqueles tempos sombrios. Das amizades, das cumplicidades, das solidariedades e de como em conjunto aprendiam a Vida.
Ofereceu-me o catálogo autografado daquela que foi a sua primeira exposição individual, em 1959, na SNBA, quando ainda assinava Bartolomeu Cid.
A ele devo a revelação e a discussão do artigo de António Vale (pseudónimo de Alvaro Cunhal) sobre Forma e Conteúdo, publicado na Vértice em 1954.
Um dia levou-me ao primeiro andar da casa de Sintra, abriu uma das enormes gavetas atulhadas e tirou de lá dois linólios, duas pequenas relíquias editadas pelo MUD Juvenil de Belas-Artes, em 1952. Comprara-as então. Não estão assinadas, por precaução conspirativa, e nenhum de nós conseguiu descortinar a autoria. Sugeri que as doasse ao Museu do Neo-Realismo. Anuiu de imediato. Mas, que ia primeiro mandar restaurá-las. Mais tarde haveria de escrever-me e repetir sempre que nos encontravamos: "já lá tenho as gravuras para dar ao Museu do Neo-Realismo!" Creio que ainda lá continuam... em Sintra.
Congratulou-se com o catálogo que escrevi sobre José Dias Coelho, editado pela CM de Pinhel em 2003, o camarada e amigo que o iniciou nas lutas politicas. Escreveu-me: "que eu saiba, esta é a primeira achega à obra do Zé Coelho. Parece-me no entanto (...) que a escolha das obras podia ter sido melhor. Também o design deveria ser melhor, muito melhor...". Tinha inteira razão.
Vi-o pela última vez em Maio do ano passado quando inaugurou uma exposição na Galeria Ratton, à Academia das Ciências. Uma exposição lindíssima onde explorava o sagrado (laico) e o profano. Achei-o muito cansado. Mas feliz, rodeado de amigos, alguns seus colegas quando estudantes no velho convento de São Francisco: Leonor Sena da Silva, Júlio Moreira, Augusto Sobral, José de Almada, Vasco Croft de Moura, João Vieira e outros.
Falámo-nos pelo 25 de Abril. Não podia ir ao jantar "Em Abril Esperanças Mil". Ia a guiar, como sempre dividido entre a casa de Sintra e a de Tavira, essa terra onde tinha o espaço privilegiado de trabalho e onde planeava terminar os dias, abrindo à comunidade um Atelier de Desenho!
Morreu em Londres. Mas vai regressar aqui e as cinzas serão lançadas no rio que banha a amada Tavira. Que saudades eu sinto desta ínclita geração que o tempo, inexorável, teima em fazer desaparecer. E como fazem falta pessoas como o Bartolomeu!

1 comentário:

Anónimo disse...

Mais um digno representante do que temos melhor "cá dentro" a viver, trabalhar e morrer "lá fora"!