quarta-feira, outubro 29, 2008

No centenário de Francisco de Paula Oliveira, «Pavel» (1908-2008)




Francisco de Paula Oliveira Junior nasceu em Lisboa, freguesia de Santa Catarina, em 29 de Outubro de 1908. Do pai herda o nome e os ideais anarquistas que o levam a ingressar na Federação das Juventudes Sindicalistas, que abandona após a revolta de 7 de Fevereiro de 1927, conforme nos refere Emidio Santana nas suas Memórias. Tudo leva a crer que se tenha de imediato aproximado do Partido Comunista Português onde, nos anos subsequentes, vai liderar e organizar as Juventudes Comunistas, tendo fundado "O Jovem" e o "Juventude Vermelha". Também sua mãe, Maria Adelaide, vem a ser uma dedicada militante comunista. Ao personagem central de A Mãe, de Gorki, irá buscar o pseudónimo que adopta: "Pavel".

Operário no Arsenal de Marinha desde os 11 anos, onde trabalha com Bento Gonçalves, a polícia política acreditava que a Pavel se devia muito do impulso organizativo dos arsenalistas no seu Sindicato, um dos raros de então a fugir à orbita anarquista. Simultaneamente, como todos os operários navais, estuda à noite.

Breve passa à clandestinidade, vindo a ser um dos principais dirigentes das Juventudes e, depois, do PCP, a cujo Secretariado vai pertencer com José de Sousa e Bento Gonçalves tendo, após a prisão e deportação destes para o Tarrafal, ascendido a principal dirigente. Fez várias viagens à URSS tendo aí permanecido como delegado do PCP junto da Internacional Comunista (IC) sob o nome de Fernando Queiroz.

Era um homem de formação humanista, de grande inteligência e cultura e com grande facilidade de aprendizagem, conforme testemunhos coevos. Quando foi preso pela primeira vez, em 1932, e devido às lesões pulmonares de que sofria, colocaram-no num sanatório. Aí, sabendo que em breve seguiria para representante do partido junto da IC, na URSS, aproveitou para estudar, sozinho, a língua russa. E conseguiu-o. Falava fluentemente russo, espanhol e francês. Em 1935 interveio, com Bento Gonçalves, como delegados do PCP ao VII Congresso da IC realizado na Casa dos Sindicatos em Moscovo. Bento Gonçalves falou em português enquanto Pavel proferiu o seu discurso em francês, durante 24 minutos (JPP,vol.II,p.125). Na URSS tratou finalmente dos problemas pulmonares, refez a vida e teve um filho a quem chamou Pavel Queiroz, os dois pseudonimos que adoptara.

No regresso a Portugal e após um ano de intensa actividade partidária é preso em 10 de Janeiro de 1938 na sua casa clandestina - Rua da Beneficência 180-2º/3º - pelo tenebroso José Gonçalves, na altura ainda Agente de Terceira, da Secção de Defesa Política e Social, da PVDE. Resiste à polícia com troca de tiros, e também aos bombeiros que acorreram devido ao incêndio que propagara aos armários da casa, no último andar, na tentativa de ganhar tempo e destruir o máximo de documentação comprometedora, uma vez que ali funcionava a redacção do Avante!, o que conseguiu.

Encerrado no Aljube consegue passar para a enfermaria. Alicia então um jovem enfermeiro - Augusto Rodrigues Pinto - que havia pertencido às Juventudes Comunistas e o ajuda num plano de fuga na condição de com ele seguir para a União Soviética. Apoiada pelo partido, a espectacular evasão da enfermaria do Aljube ocorre no dia 23 de Maio de 1938 e nela estão envolvidos Stella e Fernando Piteira Santos a quem ficará grato para sempre. Leva consigo o enfermeiro e um outro jovem comunista preso, em estado de tuberculose extrema, António Gomes Pereira, o "Casanova".

Lamentavelmente viviam-se momentos turbulentos no xadrez político internacional com a Guerra Civil de Espanha, com o nazismo e o fascismo em ascensão e com as purgas estalinistas. Também entre nós o ambiente era de guerrilha conspirativa intensa; culminando um longo processo de desconfianças e intrigas, os comunistas portugueses acabariam por ser expulsos da IC ficando desligados da mesma até finais dos anos quarenta. Pavel sabe que só junto da IC a situação terá alguma reversibilidade e segue com os dois companheiros para Paris, no intuito de conseguir regressar a Moscovo onde o aguardavam mulher e filho. Foi mal acolhido. A IC desconfiou da sua fuga e os camaradas portugueses abandonaram-no. Hoje sabe-se que as dúvidas sobre si foram forjadas por Armando Magalhães, o homem com aspirações na hierarquia partidária e autor do relatório que fez chegar a Vittorio Codovilla (1894-1970).   Os processos estalinistas na IC haviam feito mais uma vítima.

Depois de meses miseráveis em Paris, durante os quais o jovem António Gomes Pereira piora, é internado e vem a falecer, Pavel, com o apoio do PCE assume a identidade de António Rodriguez Diaz, um revolucionário morto na Guerra Civil de Espanha e segue para o México com o amigo Augusto. Ambos constituirão família mexicana e conservar-se-ão amigos até à morte.



Francisco de Paula Oliveira / Pavel / Antonio Rodriguez com a mulher, Toinette, María Antonieta Fernández


No México e após as naturais dificuldades dos primeiros tempos durante os quais trabalha como torneiro-mecânico - a sua profissão arsenalista -, vai colaborar nos periódicos locais e conviver com as elites progressistas e artísticas que o acolhem e com ele colaboram. Lança-se no estudo da sua mais recente paixão - a Arte -, e vem a tornar-se num grande jornalista, repórter internacional, escritor e crítico de arte, mais tarde professor e, sobretudo, no maior especialista mundial do Muralismo Mexicano. Ficara seduzido por essa forma de arte que os próprios mexicanos pareciam não valorizar. O seu livro «El Hombre en Llamas», editado primeiro na Alemanha Democrática (RDA) e só depois no México, recebeu o prémio do melhor livro de arte na Feira do Livro de Francfort, em 1968.

Após o 25 de Abril António Rodriguez foi convidado, através da Secretaria de Estado da Cultura, (David Mourão-Ferreira) a visitar Portugal, tendo realizado três conferências na Fundação Calouste Gulbenkian, no âmbito da exposição sobre Máscaras Mexicanas que ali decorria. Voltou ainda nos anos oitenta mas, para além de alguns apontamentos jornalisticos, a sua passagem foi mais discreta.

Teve quatro filhos do casamento com a mexicana «Toinette», Maria Antonieta Fernandez.

Manteve-se fiel aos ideais e valores humanistas da juventude.
Morreu em 15 de Agosto de 1993.
Portugal desconhece-o.


Julia Coutinho 


Nota: já depois de escrever esta biografia, escrevi uma intervenção sobre Pavel aqui.




13 comentários:

Jorge Castro (OrCa) disse...

Como sempre, como a tantos... Haja Júlias que nos acendam a memória, para que se combata o cinzentismo!

Obrigado pela evocação.

Beijos.

Anónimo disse...

Mais um nome apagado pela Memória e, pelos vistos, enterrado pela História. Já aprendi mais qualquer coisa hoje!

Anónimo disse...

Obrigado pela biografia do Pável, mas gostaria de saber onde foste buscar o texto sobre o Pável? Quais a sfontes consultadas? é que em todo o texto só aparece a referência a JPP, VOLUME II, além dos livros de memórias. Obrigado por tudo. Continua...

Abraão disse...

Para que melhor se conheça a história aconselho uma visita aos seguintes endereços:
http://tempodascerejas.blogspot.com/

http://memoriaecombate.blogspot.com/2008/11/o-caso-pvel-esclarecimentos-do.html
Por uma questão de honra e verdade. Só.

Anónimo disse...

O artigo está completo e recheado de informação. Vinha, como o amigo abraão, chamar a atenção para a tomada de posição do PCP sobre esta matéria, que vi publicada no blogue "o tempo das cerejas" e que pode ser consultada aqui.

Cumprimentos e continuação

Júlia Coutinho disse...

Respondendo ao André, informo que as fontes consultadas, para além das obras de JPP, foram os processos da PIDE/DGS na Torre do Tombo, as entrevistas e declarações feitas à imprensa aquando das duas visitas de Pavel a Portugal (1976 e 1988), alguns livros que o proprio escreveu, etc etc. Sou Historiadora e tudo o que afirmo é baseado em dados.
Obrigada pela visita.

Júlia Coutinho disse...

Para o Abraão e para o Miguel: agradeço as informações prestadas, embora eu já as conhecesse. Tenho os artigos de Ludgero Pinto Basto, uma pessoa que me merece todo o credito, assim como os esclarecimentos do PCP saidos no Avante aquando da segunda visita de Pavel a Portugal.
O meu post sobre Pavel/Antonio Rodriguez não contradiz qualquer daqueles documentos.
obrigada pela visita.

Anónimo disse...

Realmente...uma personagem tão interessante e completamente desconhecido...obrigada Júlia , por nos revelares os que ficaram esmagados pela "sombra" da história.
Margarida Moreira

Cuauhtemoc Rodriguez disse...

Júlia Coutinho:
En el nombre de mi madre María Antonieta Fernández (Toinette), viuda de Pavel/Antonio Rodríguez y en el mío propio le agradezco la muy completa biografía de mi padre que aparece en su blog “As Causas da Júlia.”
Un solo comentario, Pavel/Antonio Rodríguez falleció en la ciudad de México el 15 de agosto de 1993.
Cuauhtémoc Rodríguez.
cuauhtemocrdf@gmail.com

Júlia Coutinho disse...

Cuauhtemoc,
Muito obrigada pelo esclarecimento da data da morte de seu pai, Pavel/Antonio Rodriguez.
Vou rectificar.
Fico muito sensibilizada por a família de Pavel ter apreciado esta biografia. Com os dados de que disponho, tentei ser o mais completa e objectiva possível.
Um forte abraço para si e sua mãe, a quem saudo especialmente.

Karla disse...

Olá, obrigada pela historia mas o nome do enfermeiro que ajuda a fuga de Pavel é Augusto Rodríguez Figuiera.... não é Pinto.

Abraços

Karla

Karla disse...

Eu tenho um erro...
o nome correcto é
Augusto Rodrígues Figueira

Agora sim!

muitos más Abraços

Júlia Coutinho disse...

O nome português do enfermeiro que fugiu com Pavel é o que assinalo, Augusto Rodrigues Pinto. Tal como aparece nos arquivos da PIDE/DGS.