sábado, junho 19, 2010

Até sempre, Saramago!

José Saramago, 1922-2010


Retrato do poeta quando jovem


Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.


(In Os Poemas Possíveis, Editorial Caminho, Lisboa, 1981. 3ª edição)

2 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

A poesia dele é muito bela, mas é como se não existisse, e dele não falam como poeta. Espero que tenha muita poesia no seu baú.

com senso disse...

É esta uma bela forma de homenagear Saramago: Divulgar a sua obra!
Obrigado!