quarta-feira, dezembro 17, 2008

Antonio Simões Abreu: lembrando um bom amigo



Antonio Horacio Simões de Abreu
(2.Maio.1923 - 14.Dez.2005)

Morreu em Dezembro de 2005, no Hospital de Curry Cabral, escassos dias após o presidente Jorge Sampaio o ter distinguido com a Ordem da Liberdade. E passados oito meses, em Agosto de 2006, morria a querida Regina, a companheira que não soube nem quis viver sem ele.
Tive a sorte de me terem distinguido com a sua amizade e de com eles conviver nos tempos finais das suas vidas. A privilegiada fui eu. Com eles convivi cinco anos que valeram por uma vida inteira. Dois seres superiores, de extraordinária humanidade e um repositório vivo de memórias e vivências de luta contra o fascismo. Uma família de afectos que sempre souberam transmitir. Por mim, adorava ir àquela casa na Av São João de Deus, tocar à campainha do nº 31 e ouvir a Luna a ladrar como sempre fazia, fosse com quem fosse, até entrarmos e lhe darmos miminhos para depois se enroscar no aconchego do sofá junto da dona. Adoravam-se, o casal Abreu. Mesmo quando rezingavam. Fora toda uma vida de grande companheirismo, de grandes dificuldades, de grandes lutas, mas de muito amor e cumplicidade.
O António muito discreto, sempre entretido nas suas leituras ou palavras cruzadas, sempre atento às notícias da televisão, frequentemente a mandar-nos falar mais baixo para não perder pitada. Era ele quem diariamente fazia as compras e levava a Luna a passear. A Regina, mais faladora, adorava conversar sobre os filhos, os netos, as histórias com a PIDE quando lhes invadiam a casa, a vida. Vida que ela transpirava por todos os poros. Mesmo depois de ter sido sujeita a uma operação delicadíssima a um tumor no cérebro. Mas a força vital era de tal ordem que se recompôs e, praticamente até à morte do António, nunca quis ninguém permanentemente lá em casa para ajudá-la. Com um sentido de humor notável, adorava uma boa partida, uma boa gargalhada e eu própria cheguei a ser uma das «vítimas» dos imprevisíveis telefonemas que fazia disfarçando a voz. Tinha uma mão para a comida como nunca vi igual e adorava cozinhar, tanto como que gostassem dos seus cozinhados.
A família era a prioridade maior dos Abreus. Quando conseguiam reunir os três filhos e as respectivas proles sentiam-se abençoados e felizes. Habituei-me aos seus afectos. Senti-me orfã quando partiram. Não há vez nenhuma que passe pela avenida de Roma que me não lembre deles e  sinta desejos de ir bater-lhes à porta na ilusão de que me respondam e deixem entrar.
António Simões Abreu foi um firme militante comunista desde os 18 anos. Um homem íntegro que cedo ficou orfão, terminou o curso de engenharia com muitas dificuldades, e pelas suas ideias foi impedido de ensinar no Instituto Superior Técnico, onde chegou a ser assistente, ou em qualquer outra escola pública.
Dirigente do MUD Juvenil, pertenceu à sua Comissão Central (com Areosa Feio, Maria Fernanda Silva, Júlio Pomar, Mário Soares, Octávio Pato, Óscar dos Reis, Rui Grácio e Salgado Zenha). Foi preso pela PIDE várias vezes e, no serviço militar, sofreu a humilhação de ser despromovido e enviado para Penamacor como soldado. Casou em Caxias, em 1947 quando estava preso. O primeiro filho nasceu-lhe tempos depois e só muito a custo foi autorizado a visitá-lo na maternidade, sempre escoltado pelos agentes da PIDE e obrigado a pagar do seu bolso os transportes, como fazia questão de sublinhar.
O casal teve três filhos, o António, o Luis e o Rui, e a família atravessou momentos difíceis sob o regime de Salazar, vivendo das explicações particulares que Abreu dava em casa. Brilhante matemático, só foi reintegrado no ensino universitário, como merecia, pouco antes do 25 de Abril.
A sua acção política na Oposição Democrática foi especialmente importante aquando das eleições presidenciais de 1958. A ele se devem as diligências com vista a uma candidatura abrangente, primeiro junto de Cunha Leal e, na recusa deste, de Arlindo Vicente. Foi o homem-chave das negociações que levaram à unificação da candidatura oposicionista em Humberto Delgado, com quem estabeleceu uma relação política e pessoal de grande respeito e proximidade.
Acreditou sempre que, não tivesse Humberto Delgado tomado a decisão errada de se exilar, o 25 de Abril teria sido antecipado de alguns anos.

JC

2 comentários:

Paula Raposo disse...

Obrigada pela partilha, Júlia! Beijos.

Júlio Pêgo disse...

Lembrar sempre os resistentes antifascistas é imortalizar os direitos fundamentais da liberdade e da dignidade humana, neste caso António Abreu e de todos os combatentes a quem presto permanente homenagem.
Júlio