terça-feira, junho 24, 2008

Maria Judite de Carvalho (1921-1998)




Maria Judite de Carvalho (18-09-1921 - 18-01-1998) 


Sempre gostei de Maria Judite de Carvalho. Da sua escrita comum, quotidiana e arguta mas também perturbadora, dorida e solitária. De quem observa mas se quer invisível. Alguém que não quer importunar nem impor. Que se apaga e silencia. Um mundo pessoal e restrito. Mas que abarca a infinita dimensão do sofrimento humano. Ela própria a sua dor mais funda. Parece que nos deixou ontem, mas já passaram 10 anos. Num momento em que as mulheres se juntam para se questionarem, apeteceu-me lembrar esta mulher que não merece o silêncio a que a votaram. 
Ficam três poemas do livro póstumo «A flor que havia na água parada», editado pela Europa América.



Eu dantes tinha olhos verdes

Só agora reparei
Verdes, viam tudo verde
por que eram verdes, não sei. 

Sorriam àquela flor
Que havia na água parada
Verde flor, na verde água
da vida transfigurada.

Hoje olham e reconhecem
que há muito mais cores para ver.
Cor de flor, que logo esquecem 
Cor de charco a apodrecer.


*
 


Há hoje um cheiro a partir 
um cheiro a não estar aqui, 
um cheiro a mar verde-pálido, 
de algas soltas, sem raízes. 
Estou no cais mas não saí. 
Tenho um passaporte inválido 
para todos os países.


*

Somos do país do sim

o da tristeza em azul 
Tudo o que existe é assim 
neste sul. 
Mostramos o sol e o mar 
e vendemo-lo a quem tem, 
para podermos aguentar 
o que vem 
Ah país de fato preto 
meu país engravatado 
do grande amor em soneto 
da grande desgraça em fado.









2 comentários:

Luís Alves de Fraga disse...

Está na morte como quis estar na Vida: incógnita das grandes homenagens, dos grandes reconhecimentos, das luzes da ribalta. Essa foi a sua vontade. E a nossa qual é? Por onde anda? Como se manifesta?

Teresa David disse...

Buscava na net uma foto da Maria Judite de Carvalho quando me deparei com o teu post. Tive o prazer de passar em Troia umas férias com ela e o Urbano Tavares Rodrigues das quais guardo gratas recordações. Hoje numa caminhada que fiz vi uma rua com o seu nome e veio-me á lembrança essas férias que achei pertinente contar em mais um "flash" de memória como tantos outros vividos com outros escritores que já escrevi e creio tu conhecerás alguns. Tanta gente Mariana é um dos livros que guardo da adolescência com maior carinho pois a sua escrita agradava-me e continua a agradar-me sobremaneira.
Bjs
TD