Na sequência do post aqui colocado no dia 10 de Junho acerca da distinção dada ao professor Vitor Serrão, recebi esta resposta que quero partilhar com todos.
«A Júlia, investigadora das artes da resistência, é uma mulher de causas e é, ademais, uma pessoa generosa como poucas. Agradeço a sua atenção e as suas boas palavras, bem como aos muitos amigos, colegas, companheiros de causas, que se associaram e, como ela, lembraram o acto. De facto, ao ser colocado de certa forma ao lado do pintor renascentista Gregório Lopes, que recebeu o grau da Ordem de Sant'Iago em 1520 numa gratificação oficial dos cavaleiros espatários, eu só posso sentir-me gratificado por ser -- como modestíssimo admirador da obra desse genial artista português do século XVI -- agraciado com a mesma comenda tendo nas memórias uma tão forte companhia espiritual... Esta coisa das condecorações do 10 de Junho tem muito que se lhe diga. Não se devem pedir, não se podem recusar, têm de ser encaradas tão-só enquanto estímulo de percursos que envolvem muitas outras gentes, no meu caso os muitos colegas e militantes patrimonialistas, as gerações de alunos e os investigadores de História da Arte, os professores da área, os técnicos de restauro e de conservação, os museólogos, os agentes culturais, etc etc. É assim que sinto a 'comenda': vejo-a sobretudo como um estímulo para que a História da Arte, neste país em que tem sido algo subalternizada, assuma mais e melhor a sua autonomização, a sua força interventiva, a sua importância pedagógica e a sua dimensão social. Há mais de trinta anos que tem sido essa a minha prioridade: dar a conhecer, inventariar, proteger, salvaguardar os bens, revalorizar as obras de arte, revelar as memórias perdidas dos artistas. Tudo tem um sentido. Tudo faz sentido quando se tratam as obras de arte como coisas que, de tão complexas e imperecíveis, ganham justamente dimensão na simplicidade imediata com que podem ser olhadas, podem ser peças falantes, testemunhos trans-contemporâneos... Em nome do sentido, da memória das coisas-arte e dos fascínios perenes dos objectos-estéticos -- parcelas indissociáveis do viver colectivo e dos diálogos vivos, rebeldes, críticos, incisivos, dos homens com o seu mundo --, preocupa-me cada vez mais este permanente questionar de estradas em nome da dignidade e da beleza possiveis, uma dimensão de humanidade e de comunhão de formas e ideias, sempre renovadas através do nosso olhar crítico. Poderia dizer muito mais, mas estas notas chegam. Afinal de contas, num mundo em mutação, onde urge aspirar o sentido dos valores da cidadania, da fraternidade e do igualitarismo possível, a defesa da cultura, do ambiente e do património artístico são cada vez mais a prioridade da política. Um abraço grato à Júlia, por se ter lembrado e, a esse propósito, ter lembrado coisas que são muito mais importantes que as vãs mundanidades das efemérides.»
vitor serrão
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